sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Almost lovers




Então apaguem todas as luzes, prendam os vossos ares, fechem a vossa garganta. Eu preciso do silêncio, do desconforto, de um balde morno desses "quases ", todos vomitados, mas nunca ditos. E fico então nesse monólogo. Tal como animal debilitado mentalmente, preso nessa minha jaula de descontentamento. Os passos muito mudos, miudinhos, se acotovelam, em vão se movem. A garganta seca, os olhos que não choram mas ensaiam a triste cena de derramar-se. Essa epopeia de suspiros secos, outrora roucos e todos meus. O teu amor é qualquer coisa que não acontece. Sangue coagulado na garganta do suicida. Espera, espessa demora. As mãos muito frias, ansiosas, do condenado. Não acontece, não acontece, não acontece... Como um tiquetaquear de horas muito densas, eu espero. Sentado no chão da sala fria, nenhuma esperança. Apenas o cheiro de urina dessa poça de medo que me envolve. Tudo é feio aqui. Por detrás dos véus dessas tuas atitudes que nunca se demonstram. Desses teus olhos eternamente imóveis. Dessa feição morta da tua boca que prefere apodrecer a esboçar um sorriso. Amar você é como ser morto de fome, e mesmo assim, plantar sementes últimas, na terra que nunca chove. As nuvens se armam, o céu se fecha. Lá longe, no mar, os trovões se acasalam e proferem gritos de orgasmo. Mas não aqui. Aqui é só o frio e a sede. Para mim, é tudo parte da grande espera. De fome, eu bebo areia e água salgada. Mas continuo esperando pela chuva. Os pequenos cristais inocentes descem, rasgantes, pela minha garganta. O gosto de ferro e de sangue se avoluma. Ânsias. De vômito e de vida. Não acontece, não acontece, não acontece. Eu olho pra chuva caindo nesse lugar grande , que é qualquer coisa que não o meu coração. Mais areia. O estômago começa a inchar: de sal e de ilusões. É agridoce o sabor que sinto. Falha a respiração, falham os rins, falha o coração. Meu corpo todo é uma sinfonia, um farfalhar. O cheiro da chuva. Não acontece, não acontece, não acontece. Lá longe ela se derrama. De joelhos, em decúbito, e de bruços, minha alma se rende. Passo a passo se desintegra, primeiro sutilmente, os olhos se fecham. Mas falta ainda um último impulso .Mais areia e água salgada. Em grandes goles, sim, em grandes goles. Su-cu-len-ta-men-te. A morte, tal como a vida, é um grande banquete e assim deve ser saboreada. Mas a garganta se recusa. Peristaltismo involuntário. Nem um ar, ou vida, passam mais. O sertão, e eu, somos agora, frios. E como se ela esperasse, tal como abutres maliciosos e traiçoeiros, agora vem. Vem cheia de volúpia, vem cheia de vontade. Essa chuva que era uma espera vem caindo desde o mar até o sertão do meu corpo morto. O lava corpos começa. É uma festa para qualquer coisa além de mim. Banho de água doce, espumas raras. Leite e mel agora escorrem pela via crucis do meu corpo morto. Bem como você. Que só virá na hora derradeira. Quando eu tiver passado, quando o amor tiver passado, quando qualquer outra coisa maior do que eu e você, de tanto esperar, também terá passado. Não acontece, não acontece, não acontece, o teu amor é qualquer coisa que não acontece. Chuva tardia, apenas Eu.