domingo, 22 de setembro de 2013

Salvador Daqui

                      

               Olha, mas você sabe que eu nunca tinha visto isso antes. Um poema surrealista. Melhor que isso, um poema surrealista em linha reta. Eu gosto quando as coisas não precisam fazer sentido. Uma ausência gostosa de explicações. Orgasmos mentais, seria um bom nome. Que nem essa mulher de verde parada aqui na frente. Deixa ela passar,vai, deixa todas elas passarem. Todas quem ? Não importa, deixe que passem, isso aqui não precisa ter sentido nenhum. E sai você também, por favor, da minha frente. Mas espera, não vai ainda, fica mais um pouco... Será que é muito se eu te pedir um abraço !? Vem aqui, me abraça. Tá frio aqui, dorme comigo. Não ? Tudo bem. Então eu vou indo. Olha, eu não me lembro exatamente em que parte eu tinha parado. Virei-me de costas e ali estava eu de frente pra mil novecentas e cinquenta e sete portas. Todas abertas. E eu tive que escolher uma. Quase morri, eu odeio fazer escolhas, se fosse uma, duas, ou até três portas. Mas mil novecentas e cinquenta e sete ! Eu queria me dividir e entrar em todas ao mesmo tempo. Na verdade mesmo não sei o que eu fiz. Só sei que vim parar aqui. Mas sabe, até que eu gostei da escolha que eu fiz, se eu fiz alguma escolha . Espera. Abaixa. Faz silêncio que eles estão chegando, eles vêm de toda parte. Ai, ai , ai , ai. Não grita, já que eles param de morder. Foi quando eu fiquei estático , mudo. A minha cabeça começou a aumentar e diminuir de tamanho, uma hora vermelha, grande, estuporada, e depois desinflando, miúda, um ponto azul pequenininho, e depois grande e entao comprimida, cilcicamente, cada vez mais rápido. Explodiu.  Você sabe que eu tô olhando pra você agora. É engraçado como você tenta encontrar um sentido lógico pra todas essas coisas. Pára, pára com isso pelo amor de (?) de qualquer um que eu tenho é medo de enfiar Deus num poema maluco desses. Deixa de ser lógico enquanto eu tento te apresentar a minha loucura. Puxa uma cadeira, me dá cinco minutos. Cinco não, dez que eu também quero mostrar os erros de gravação. Não precisa aplaudir se não quiser. Assiste só. Ninguém te convidou a começar a ler. Agora termina. Olha, mas você sabe que eu me perdi dentro daqueles teus olhos. Fui me perdendo, devagarzinho, fui morrendo dentro deles , contado em miúdos, fui morrendo que nem um filhote de passarinho estatelado no asfalto quente. Ele morre devagarzinho.Vai me dizer que você não sabe. Que nunca viu filhote de passarinho caindo do ninho em cima de poste. Ele morre que é uma belezinha. Primeiro é a dor de todos os ossinhos quebrados. Mas ainda respira. Grita talvez ? Pedindo um socorro que pra nós chega até a ser engraçadinho. O calor da pedra quente fritando aquela penugem tão sensível. Mas ele ainda respira. Talvez a tentativa de um  um gemido. E depois ele termina, como fazem todas as coisas que começam um dia. Olha, você sabe que eu morri naqueles teus olhos, mas eu morri devagarzinho, que nem um passarinho estatelado no asfalto. 
                    O que vem depois? Eu sei, vem sempre. Um medo grande, espalhado, correndo de todos os lados, fincando dentro da gente, se esparramando de maldade. Um medo das multidões, das grandes cidades, dos grandes pedaços de nada abertos no meio da gente. Vem vindo um medo lá de longe. Vem saindo um medo daqui de dentro. Você sabe que eu as vezes esqueço como é que é não ter medo !? Olha bem pra essa mulher de verde. Eu não sei se ela é de cristal, se ela está morta. Eu sei que ela fica aqui, e não se mexe, nem respira. Sempre que eu olho pra esses olhos fixos eu me pergunto o que teria acontecido se eu tivesse escolhido outra das mil novecentas e cinquenta e sete portas. Estaria essa mulher ainda aqui ? Não te incomoda esse excesso de cor ? Mira, repara.  Ela é verde até por dentro. Olha bem que bonitinho o corte de cabelo dela. Um cabelo channel de cristal. As vezes eu passo por aqui e fico só olhando. A impressão que eu tenho é que quando eu volto pra casa eu fiquei um pouco verde de tanto olhar. Eu não sei bem o que aconteceu com ela . Eu chego a pensar que a dita cuja morreu de medo e ficou aí, de aviso pra gente. Sabe que de noite ela aparece no meu quarto !? Pode duvidar, estou acostumado. Conto mesmo assim . Eu nunca sei se eu estou dormindo ou acordado, é quando ela vem. Ela vem e canta pra mim. Deve saber que eu gosto disso. Ela  me coloca pra dormir porque sabe que eu sou sozinho no mundo. A mulher de verde vem e coloca os meus sonhos de pernas pro ar, e diz pra eu ficar despreocupado, que tudo vai ficar bem  e se preocupar é uma bobagem. Depois ela volta, andando num ir e vir vítreo, mas pomposo, fecha a porta por onde entrou e some.Junto com a porta eu fecho os meus  olhos e acompanho seus passos na minha imaginação. Ela abre a sua vitrine, senta no seu banquinho, desenha um sorriso e em instantes se cristaliza de novo e na manhã seguinte continua a refletir as luzes do sol. Eu sei, sei bem disso que você está me falando. Não é todo mundo que está acostumado a ler um poema surrealista , ainda mais em linha reta. E ainda por cima com uma mulher verde e mil novecentas e cinquenta e sete portas. Mas não importa. De verdade, pra mim não importa. Quem tiver de entender, entenderá. Alguns pedaços da gente querem apenas existir, sem ser explicados. 


Yuri Volpato Santos 22/09/2013

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A Nova Ordem Mundial ( e Eu)




Canadá, 20 de setembro de 2013. Finalmente eu cheguei onde eu queria. Ou pelo menos onde sempre achei que deveria chegar. Buscando o que? Felicidade. Se achei ? Se fosse fácil assim, duvido muito de que estaria vivo. Citando Guimarães, Felicidade se acha em horinhas de descuido. Chegando aqui a primeira impressão que eu tive foi sobre a cidade. Realmente tudo funciona, as pessoas são prósperas, ricas, todos tem muito, do bom e do melhor, e tem para todo mundo. Descobri isso quando me contaram que quem é cidadão canadense , se ficar desempregado , ou perder a casa e for morar debaixo da ponte ganha uma bolsa de 800 dólares do governo. Isso mesmo. Mendigos aqui ganham salário de professor de ensino fundamental em escola pública no Brasil. Cerca de quase 2.000 reais.Mas eu não estou aqui para criticar o Brasil nem exaltar o Canadá. São apenas análises metafísicas e filosóficas. O que quero dizer é quando passei a olhar de perto para essas pessoas a primeira coisa que  me veio à mente foi: será que eles são felizes !? O que é facil de notar é a necessidade quase que fisiológica de estarem conectados à internet. Muita influência da (cultura?) norte-americana é claro. Falando sobre estar conectados eles fazem isso das mais diversas formas possíveis. Ipad, Ipod, MacBook, Iphone, TV, e até mesmo no carro. São incontáveis os aparelhos que se usa para se manter plugado. Em contato com todo mundo e ao mesmo tempo sem ninguém por perto. Todo o marketing daqui visa a teologia da prosperidade. É preciso ter a melhor resolução, a última versão de alguma coisa, o melhor modelo. Se  você tem um Iphone 4 logo eles lançam o 5 e depois o 5s e então o 5c, em diferentes cores,  e quanto mais novidades mais incompleto você se sente porque não tem aquele último modelo. Esses dias eu fui numa loja pra comprar um computador, e eu realmente preciso de um MacBook por causa do sistema operacional que é compatível com os programas que eu uso na minha pesquisa científica. E por mais que eu gastasse cerca de 4.000 reais no tal do computador eu me senti desconfortável. Pensando, será que eu realmente preciso disso? Mas não foi só esse fato que me chocou. Ao lado do Mac Book Pro, por 1.799 dólares tinha um Mac Book Pro Retina Display, que custava 2199 dólares só porque imitava a sensação visual produzida pela sua própria retina ao olhar para as coisas. Ou, em outras palavras, uma melhor definição de imagem copiando os olhos humanos. Copiando os olhos humanos! ( Dá pra acreditar nisso !?)  E no mostruário aquelas imagens de estrelas, e cavalos correndo, e tudo o que você poderia conseguir se adquirisse o tal do computador. Não sei porque mas aquilo me embrulhou o estômago. Parece que ao adquirir aquelas coisas eu deixaria de ser Eu. A minha sensibilidade permite captar no ar esse sentimento implantado na cabeça das pessoas. É como se houvesse um homem de terno em cada esquina dizendo:  "Nada que você tenha é o bastante. Sempre haverá uma versão nova. Você vai ter que se atualizar pra sempre. Não importa o que você faça, você nunca vai se sentir completo.Bem vindo à Nova Ordem Mundial "  E quando eu falo isso é como se  realmente eu ouvisse essa voz invisível penetrando o meu corpo , entrando pelo estômago e me fazendo sentir náuseas. Retina Dislplay, retina display ... Será que as pessoas esqueçem que elas tem olhos pra se deitarem a noite, num descampado perto das montanhas e ficar olhando pro céu com a melhor resolução que existe no mundo: os seus próprios olhos !? Eu lembro que no Brasil eu já enfrentava o mesmo problema. Quando o meu ex-namorado comprou um celular novo tudo que ele fazia era ficar olhando praquela tela, mexendo naqueles botões, conversando com pessoas que estavam longe enquanto eu estava ali, do lado dele, querendo apenas conversar, na vida real. Por muito tempo eu senti falta de um olhar, de uma conversa. Eu sentia que se eu estivesse dentro do telefone ele me daria muito mais atenção do que a minha própria presença física ali do lado dele... Mas voltando a falar sobre tecnologia eu quero lembrar quando eu vi a propaganda do novo Iphone 5s pela primeira vez. O designer do produto falava que aquilo não era apenas um celular, mas uma "experiência"... Sabe o que eu acho? Essas pessoas esqueceram o que é realmente uma experiência. O que é sentir as coisas mais reais e menos virtuais. Eu tenho agora um MacBook, mas é porque eu preciso para trabalhar, tambem tenho um Samsumg Galaxy S3, que era top de linha no Brasil, mas agora já inventaram o S4, logo teoricamente o meu não funciona mais pra nada.E eu me sinto vazio. Mas o que mais me intriga é que quanto mais eu compro, ou quanto mais eu tenha, menos eu sou feliz, ou mais cheio de vento é que fica preenchido esse buraco aqui dentro. "Mais do que um celular, uma experiência..." essas palavras ficam ressoando na minha cabeça... Isso é tão ridículo que chega a ser engraçado. Eu acho que as pessoas perderam a ideia de o que é realmente uma experiência... Do que é se sentir feliz sem razão aparente nenhuma. Eu me lembro quando eu era pequeno , e eu ia pescar com meu pai , meu vô , meu irmão e meu primo. A gente esperava a semana inteira por aquele sábado. Eu lembro até hoje do cheiro da terra molhada, da textura das minhocas que a gente juntava pra uma boa pescaria, do barulho dos blocos de húmus caindo dentro da latinha de Nescau enferrujada. Eu lembro do sorriso do meu pai arrumando as coisas, do estalir do martelo apertando as chumbadas. Dos nossos pés dentro de sapatos surrados e felizes, pisando a grama verdinha e molhada. A gente ficava ali na beira do rio, todos juntos, e cada traíra que a gente pescava era um pirepaque de alegria... O barulho das botas amassando o brejo, e também os silêncios daqueles  abertos de água sem fim. As vezes eu ficava parado, um tempo enorme, só olhando,coisa de criança,  e era como se o rio coresse dentro de mim.  A gente era tão pequeno, e tudo tão grande, tão bonito... Em quantos pixels eu guardei essas memórias ? Não sei, com certeza muito mais do que qualquer câmera poderia captar... Eu lembro que naquela época não existia nem computador. Eu acho mesmo que  não precisava. As pessoas ainda sabiam ser felizes no mundo real . Disso tudo é que eu eu tenho saudade. Todos os meus celulares e computadores velhos eu joguei no lixo. As milhões de mensagens trocadas com "amigos" na internet foram apagadas, e esquecidas. Mas não tem como esquecer das risadas nos churrascos da nossa família, ou meu pai contando histórias, ou a serenidade do jeito de existir do meu avô, os gritos da minha mãe.Histórias que a gente guarda no coração.  Essas coisas a gente não esqueçe, elas são mais reais do que qualquer outra coisa. É disso que eu quero lembrar. É isso que eu quero ter. Mais realidade, mais abraço, carinho, palavras e sentimento, de verdade, de coração pra coração. E menos caixas de plástico quadradas pra simular a existência de tudo isso.


Yuri Volpato Santos, 20 de setembro de 2013