quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Azul

                           Eu fiquei então com aquela ideia na cabeça. O que talvez houvesse sim, uma coisa, que, de ser escutada, me salvaria. Não a coisa em si, uma vez que esta seria intangível, no sentido de não ser feita como uma ação física, mas no sentido de existir materialmente, como um sentimento que não passasse. Essa coisa, pensei eu, existe, esta frase, esta palavra, esta informação. E porque é que nós não a alcançamos ainda, pensei eu ? O que é que falta para que alguém nos diga isso, para que alguém, com esta palavra apenas, nos liberte? E este estado, que se atravessa? O que é que seria isto? Não se atravessa fisicamente, não se vai se um lugar para o outro. Não precisa-se ir em verdade de lugar algum para lugar nenhum. Mas enquanto se existe se está atravessando. Ele sabia disso, ele sabia que eu ficava observando a travessia. Enorme, silenciosa, ritmada só com o barulho pausado das nossas respirações que vão se acumulando nisto que se chama de passado. Porque nós passamos, mas o foco é este, aqui mesmo, de dentro, não outro, mas sempre, sempre a gente mesmo. Isto sim, que eu sabia, a gente, sabíamos. Ele me dizia, dizia sem dizer, porque os olhos dele é que me diziam muita coisa sem me dizer nada. Olhava as vezes, eu fingia não perceber, mas sabia que estava sendo contemplado. Ele me fazia sentir como uma poça d'agua límpida deitada aos pés do monte Kilimanjaro. O gelo do topo do monte refletia na água da poça, e entre mim e ele estava o bafo quente das planícies da savana Africana. Então ele, com a presença masculina de um leão macho sobre mim se debruçava, e bebia, com os olhos fechados, gole por gole, suculentamente. Do mesmo modo como a água e o leão se misturam num só corpo no momento dos goles, assim nossas existências se misturavam tenuamente enquanto ele me olhava e eu sorria. Minha mão então ele segurava na dele e dizia, em tom de verso decorado: Olha, que o meu amor, como uma pessoa, guie teus passos. Que você não tenha medo. Que você seja imortal. Que você possa continuar sempre, mesmo acabando, que possa amar sempre, mesmo apesar da vida em si. A vida furiosa, mas que só é fúria enquanto a gente é tempestade. Que você, com a serenidade e a compaixão de um bom deus qualquer, possa, sempre, te fornecer abrigo. Que você possa ser...