sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

The piano






 Dear Adrian,


                I know I should have written this text before, but I just couldn’t. It was not mature inside me yet. All I wanted to say, all the ideas running through my head as I crossed the empty days of my existence, these ideas, I mean, like immortal pieces of soul, they continued.  And by now I have no fear of losing them, once I already  feel it like part of my spirit , if there is a spirit. No one had ever played the piano for me. I had heard concerts, orchestras , but for large audiences, nothing too personal or intimate. That day you said you wanted to show me something, and took me up to the third floor of the library, and sat down at the piano and asked me to sit near you. I guess you don’t dare to know how magical it was for me. I must write, again and again, it seems redundant, but I do have to   draw the scene with words. It seems to me it is not enough just to keep it on my mind for my own records. For me it was much like one of those unexpected miracles that just happens when you are not waiting for  it at all. Did you ever have that feeling that you can foresee a scene even before it starts? That was my feeling when you sat on that chair. At first, a mild pain in the chest. I was simply existing, with no warning, just before you suddenly invited me to hear a melody. For times like this we sometimes have to prepare our hearts. No preparation was needed, however. As you played and I watched your fingers walking across the surface of the white keys , this feeling of pain slightly vanished inside me , and so I allowed myself ,  I allowed  me to be there and live without fear , at least for those moments . My eyes did not burst into tears, just because I didn’t let them . It was something more sublime, an acute feeling like a suffering lined with  hope, a good thing here inside me . You are so old Adrian, that you don’t really imagine. You have more than two thousand years . And the long river of the age of your soul ran through my ears while with my eyes closed I regaled me with a joy that was that moment. Because I don’t understand my existence I watch yours. No, I do not say I love you . Love is something else, different. What I feel in your presence is a state of daring to contemplate  life . Life itself,  that should not be looked  because it was forbidden, but even so we look. While the air in the room was perfumed with notes of Love History I was feeling like forgiving people for their not being as I would like them to be.                    
               I became simple. I, who thought to be so complicated, so full of thoughts and ideas , and things that others do not understand and I do , my cognitive abilities , metaphysical models , philosophical constructs , it all faded away in the simplicity in which I put myself before you in that time. Not that I exalted you, not that I looked to you as a myth , because I myself do not believe in God nor in myths . But what happened was that I passively acknowledged your superiority in some , I can not say which,  aspect of life . All I wanted, all these years , was to feel simple. It was a release to stand before someone more complex than me , that in spite of its complexity , experienced no pain in being . I speak only two languages ​​and my talent, if it can be considered a talent is writing . You do speak , write and read in 4 languages ​​, you are a dancer , plays the piano , has many friends , is well liked and more than that , had never  asked yourself  the question "who am I ?" , not for lack of boldness of your intellect but simply because the fact of living , this fact  itself delete all these pointless  questions . Life itself, your life is your own question and its  own answer . I remember how comfortable it was to allow me that kind of stupidity of soul. And what made me feel beautiful was the fact that even inspired by you  I still liked to be me , to learn in my time , to judge beautiful things that I find beautiful , and mostly , in a way , as I had said , forgive people who are not like me . Forgive people who do not ask questions . What would be a show without the audience ? I understand their role on society,  a role of viewers, and for which the spectacle of the world is enough. I understood the fact that they are well being like this , without the light of some intense spotlight that would probably make them blind. As for us, if we do not  occupy the stage of our lives , we will suffer . That is human nature, and even though I can not prove it , something tells me that these choices were made long before we came here, as humans, to Earth . I said I did not try to be different because of you , that's not  entirely true . Because of you I try to live without having to ask me who I am . I want my own life as an answer. Your life is a vestige of the life of this universe. Some hidden intelligence behinds matter. I created you as a character in a book , and out of my book I found you in my life , as a magician  materializing a rabbit inside the hat , the rest is just history. In my book I had created you for teaching me love, in life you came to me to teach me not to need love , this miserable love, love beggar , as a homeless person on the street  timidly asks for some food . If there is any chemical reaction that occurs between souls, this was ours. You gave me the will to be me without anyone. To at least try this happiness without a reason, not happiness actually , but a  contentment in accepting me the way that I am, and not ask too much about it , just be proudly part of the spectacle of life .


Thanks for that,



Yuri Volpato , Canada , February 21, 2014

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O piano

                 



                        Eu sei que devia ter escrito este texto antes, mas não pude. Ele ainda não estava maduro em mim. Tudo que eu quero dizer, todas as ideias passando pela minha cabeça enquanto atravesso os dias dentro de um cotidiano denso, as ideias, elas continuam, e eu já não tenho medo de perdê-las uma vez já as sinto como parte do meu espírito, se é que existe algum espírito. Ninguém nunca tinha tocado piano para mim. Eu já tinha ouvido concertos, orquestras, mas para públicos grandes, nada muito pessoal, nem íntimo. Aquele dia você disse que queria me mostrar uma coisa, e me levou ate o terceiro andar da biblioteca, e sentou-se no piano, e pediu que eu me sentasse  perto de você. Faço questão de escrever, desenhar com palavras a cena, porque para mim foi muito bonito, como um daqueles milagres inesperados no meio do vai e vem da vida. Sabe quando uma cena, antes mesmo de começar, você já sabe todo o seu desenrolar? Assim fiquei eu enquanto você tocava. No começo uma dor branda no meio do peito. Eu estava apenas existindo antes que que fosse de repente chamado para ouvir uma melodia. Para momentos como esse a gente tem por vezes de preparar o coração. Nenhuma preparação foi no entanto necessária. A medida que você tocava, e que eu observava os seus dedos caminharem por toda a superfície das teclas brancas, e esse sentimento de dor de viver foi se dissolvendo dentro de mim, e assim me permiti, quase sem conseguir, mas conseguindo, eu me permiti  estar ali e viver sem medo, pelo menos por aqueles instantes. Meus olhos não se irromperam em lágrimas, mas por pouco. Foi algo mais sublime,  um sentimento agudo como uma saudade revestida de esperança, uma coisa boa aqui dentro da gente. Você é tão antigo Adrian, você tem mais de dois mil anos. E o longo rio da idade da tua alma percorria os meus ouvidos enquanto com os olhos fechados eu me deliciava com a alegria que era aquilo. Por não entender ainda a minha existência eu fico observando a tua . Não, não diria que eu te amo.  Amor é outra coisa, o que eu sinto na tua presença é um estado de contemplação atrevida da vida, aquilo que não deve ser olhado porque nos foi proibido, mas mesmo assim nós olhamos.                                    Enquanto o ar da sala se perfumava com as notas de Love History eu fui pouco a pouco perdoando as pessoas por elas não serem como eu gostariam que elas fossem. Eu me tornei simples. Eu, que me julgava tão complicado, tão cheio de pensamentos e ideias, e coisas que outros  não entendem e não fazem,  minhas habilidades cognitivas, modelos metafísicos, construções filosóficas, tudo isso se esvaneceu na simplicidade em que que me coloquei perante a você naquele momento. Não que eu te exaltasse, não que eu te fizesse um mito, porque eu mesmo não acredito em Deus e nem em mitos. Mas o que se sucedeu foi que eu , passivamente, reconheci a sua superioridade sob algum, que eu não sei dizer qual, aspecto da vida. Tudo que eu queria , durante todos esses anos, era me sentir simples. Foi uma libertação pra mim estar diante de alguém que mais complexo do que eu, que apesar dessa complexidade, existia sem dor. Eu falo apenas duas línguas e o meu talento, se é que pode ser considerado um talento, é escrever. Você fala, escreve e lê em 4 idiomas, é dançarino, toca piano, tem muitas amizades, é bem quisto e mais do que isto, existe sem nunca ter se perguntado "quem sou eu", não por falta de ousadia do teu intelecto, mas simplesmente porque o fato de viver , esse fato em si  em você suprime todas essas perguntas sem respostas. A vida em si, a sua vida é a sua própria pergunta e a sua própria  resposta. Relembro como foi confortável permitir-me aquela espécie de burrice de alma por aqueles instantes. Mais bonito do que aquilo foi saber que apenas de sentir teu modo de me inspirar eu continuo gostando de ser eu, de aprender no meu tempo, de julgar belas as coisas que eu acho belas, e principalmente, de uma certa forma, como eu te disse, perdoar as pessoas que não são como eu. Perdoar as pessoas que não fazem perguntas. O que seria de um espetáculo sem a platéia ? Eu entendi a função deles, de espectadores, e para o qual o espetáculo do mundo é o bastante. Entendi o fato de que eles estão bem sob esse posição, sem a luz por vezes intensa dos holofotes, que lhes cegariam a visão. Quanto a nós, se não ocuparmos o palco das nossas vidas, sofreremos. Essa é a natureza humana, e mesmo que eu não possa provar,  algo me diz que essas escolhas foram feitas muito antes de nós virmos, como humanos, para a Terra. Disse que não tento ser diferente porque você me inspira, isso não é totalmente verdade. Eu tento sim, viver sem ter que me perguntar quem sou eu. Eu quero que a minha própria vida seja a resposta. A tua existência é um vestígio da vida desse universo. Eu te criei como um personagem dentro de um livro, e saindo do meu livro eu te encontrei na minha vida, como uma mágico materializando um coelho de dentro da cartola, o resto, é só história. No meu livro eu havia te criado para me ensinar o amor, na vida você veio para que eu aprendesse a não precisar do amor, desse amor miserável, amor mendigo, como um andante que timidamente pede por um pouco de comida. Se é que existe alguma reação química que ocorre entre almas que se encontram, essa foi a nossa. Você me deu a vontade de ser eu sem precisar de ninguém. Uma felicidade sem motivos, diria mais, não uma felicidade, uma alegria mansa, um contentamento de se aceitar como se é e nem se perguntar muito sobre isso, ser apenas, orgulhosamente, parte do espetáculo da vida.


Obrigado por isso,


Yuri Volpato, Canadá, 21 de Fevereiro de 2014

sábado, 15 de fevereiro de 2014

What does it takes to be a man ?

                            





                   Graeme Taylor,  um garoto de apenas 14 anos defendeu publicamente  seu professor por ter colocado para fora de sala um aluno que agiu com um comportamento homofóbico contra um colega. Apesar de o professor em um gesto humanista ter feito algo pelo aluno oprimido este mesmo professor foi expulso da escola. Graeme presenciou a cena, e  ele , que  se assume abertamente gay realizou um discurso em favor deste professor, do aluno humilhado, e de todas as pessoas que se descobrem homossexuais todos os anos e se sentem solitárias e com medo porque a sociedade as julga diferentes. O discurso está disponível na internet,  mas aqui eu cito uma passagem de extrema lucidez e que me fez revolver as minhas perguntas mais intimas em busca de respostas sobre o que é ser humano. Graeme diz " quando escutamos o discurso de Martin Luther King ele diz que seu desejo é de que um dia os seus filhos e netos não sejam julgados pela cor da sua pele mas sim pelo conteúdo do seu caráter. Eu da mesma forma espero que um dia nós  sejamos julgados pelo conteúdo do nosso caráter, e não por quem nós escolhemos amar. (...) Há um silencioso holocausto onde 6 milhões de homossexuais e transgêneros se suicidam todos os anos. É este realmente o ambiente que vocês querem para uma escola ? "
                   Deixo para que vocês procurem por si todo o discurso do garoto, que como eu já disse, é de uma lucidez extrema. Faz me repensar em todo o tempo que eu desperdicei na minha vida querendo dizer esse tipo de coisas, mas que eu ainda não tive a maturidade de dizer. Tive uma crise existencial muito grande em relação a religião. Uma desilusão na verdade. Depois de muito tempo e muita dor desisti de procurar Deus. Hoje em dia eu costumo dizer que a minha religião são as pessoas. Onde houver alguém oprimido, segregado, abandonado e que precise de ajuda , se eu puder fazer alguma coisa por esta pessoa, então a minha vida tem um sentido. A minha última tentativa de inclusão social foi adentrar em um grupo de jovens cristãos aqui da Universidade. Por estar em um país diferente julguei que esta seria uma boa forma de me integrar e fazer amigos. Mas decidi que não posso voltar lá antes que eu consiga perdoá-los pelo que eles pensam de mim. Não só de mim mas de todos os homossexuais em geral. Resumindo a história a Biblia diz que o homossexualismo é pecado. Sendo pecado não deve ser praticado. Não sendo praticado se você nasceu homossexual você está condenado a passar uma vida inteira sozinho só porque a pessoa que você escolheu amar não é o tipo de pessoa que a Biblia diz que você pode amar. É ao mesmo tempo triste e assustador que pessoas que pregam o amor prefiram acreditar num livro que foi escrito a mais de 2.000 anos  do que observar a sociedade, olhar nos olhos das pessoas, sentir quais são as suas necessidades, respeitar a sua liberdade de expressão, sua vontade de ser feliz. Só porque os ditos cristãos se enquadram na norma não pensam na situação de quem não se enquadra. Acho isso absurdo e de um egoísmo extremo, na verdade não saberia dizer se é egoísmo ou ignorância, só sei que  não é nem um pouco cristão. Se Jesus existiu e foi realmente a pessoa que foi eu duvido que ele julgaria uma pessoa pela cor da pele ou por sua orientação sexual ou por qualquer outro destes pormenores que não fazem a menor diferença e que não mudam nada. Tenho tido discussões com um amigo meu, católico, sobre isso, mas essas discussões caem sempre no mesmo lugar comum, onde eles comparam homossexuais com ladrões e prostitutas como se todos estivessem em mesmo pé de igualdade porque todos praticam o pecado. Na minha opinião, pecado é o que eles fazem, excluindo, segregando, condenando pessoas a se reprimirem e ficarem sozinhas para sempre só porque o Deus que eles inventaram supostamente escreveu que homossexualismo é pecado. É muito triste saber que ainda há pessoas que pensam assim, que não conseguem se colocar no lugar dos outros e pensar como seria se eles mesmos tivessem nascido naquela situação. E eu fico triste porque eu discorro sobre esses assuntos pelo fato de que eu sou, eu mesmo, homossexual, e  sinto na pele como é ruim ser julgado pela sua orientação  e não por quem você é. Nunca tive uma conversa aberta com meu pai sobre isso. Nunca pude conversar sobre meus relacionamentos com ele, e sinto que isso realmente faz falta pra mim. Mas a dor desta solidão expande a minha visão humanista, e eu abraço não só a minha causa, mas a de todas as pessoas que são discriminadas porque não se encaixam no padrão da sociedade. Negros, índios, deficientes físicos e mentais, ateus, todos aqueles cuja toda atribuição e rótulo é dado, menos o de ser humano. É por isso que eu eu não acredito em religiões, apesar de respeitá-las. Não respeitar a crença de uma pessoa, apesar de discordar totalmente com ela é pagar na mesma moeda, é devolver o mal com o mal , e isso não leva o mundo a lugar nenhum. Eu tento perdoá-los, por mais que seja difícil. Em geral isso dá um novo sentido pra minha vida. Eu cansei de ficar acreditando em fantasmas, seres de outro mundo, supostos amores incondicionais e coisas que eu não vejo. Sou sim aberto a novas possibilidades. Algumas ideias espiritualistas são bastante razoáveis e fazem bastante sentido, embora eu não possa provar que estão certas. Atualmente confio nos meus sentidos. E no fato de que eu estou usando a minha vida para transformar vidas, tanto a curto quanto a longo prazo. Aprendendo pela minha própria experiência, e não por um medo infundado de um inferno que nem mesmo existe. Religião é uma coisa que não se discute,  é um ponto que dá sentido a vida das pessoas, e por isso para elas é motivo de briga. Só sinto pena da humanidade que ainda não evoluiu o suficiente para tratar as pessoas de uma forma igualitária, de proporcionar os mesmos direitos a todos . Mas apesar de tudo, a existência de pessoas, no caso apenas um garoto, de 14 anos, como Graeme Taylor me faz acreditar que nós estamos caminhando para um dia em que as pessoas não serão julgadas por quem elas escolheram amar e pelo dia em o que está escrito num livro obsoleto não seja mais importante do que a vida e a felicidade de um ser humano.



Yuri Volpato Santos, Canadá,  15 de Fevereiro de 2014

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Sobre homens e árvores



“…quanto a este livro muitos trechos serão acrescentados, outros retirados. Mas este não, permanecerá intocado.  Prometi a mim mesmo manter na integra a reprodução desse impulso que se me aconteceu. Eu sou a razão de mim próprio, eis o impulso. Foi de uma motivação exterior, mas de qualquer forma, foi uma motivação. E que aconteceu. Não busco muito me perguntar como. O que descobri é que enquanto eu estiver cercado do conhecimento estarei seguro. Porque no conhecimento encontro um propósito para a vida. Essas crianças, adolescentes que eu ainda nem conheço vão precisar dessas palavras que eu estou agora construindo, ligando , sinapse a sinapse, no meu cérebro. Quando a gente se descobre assim, no meio no nada, é natural uma solidão inicial. Não diria solidão, solidão é ter desistido de si mesmo, qualquer coisa diferente disso é apenas uma espécie de saudade. Diria portanto, que nesse momento inicial da descoberta de si mesmo se é percorrido por um estranhamento. Estranhamento este que é logo dissolvido ao perceber o prazer escondido em ser seu próprio alicerce, a própria salvação e seu próprio salvador. Esta atitude tão imaterial, porém tão real num sentido pragmático faz da gente um lugar agradável, como jasmineiros visitados por beija-flores. E as pessoas certas se aproximam, e os caminhos se abrem, e a vida flui sem nenhum sofrimento. Minto. Todo o sofrimento continua lá, os nossos olhos para eles é que são outros. Porque a partir do momento em que  torna-se a si mesmo  o próprio ponto de apoio e referencia todo o resto , que mesmo por definiçnao é só resto, desaparece. Se eu pudesse resumir a minha vida em uma frase seria isso: a busca por entender. Parte do meu sofrimento também vem disto, como a dor e o prazer como faces da mesma moeda. Entender é a minha libertação, êxtase, felicidade límpida e clara. Mas o não entender é a via crucies do meu intelecto, fonte das minhas angustias existenciais e metafisicas. O que busco é encontrar este ponto no meio do caminho. Conviver pacificamente com a duvida. Descobrir  que eu não posso entender tudo, e estar bem com este fato. Alegrar me pelas coisas que eu sei ao invés de lamentar-me pelo que eu não sei. Muitas vezes o ser humano tem que se apresentar diante do nada e diante do nada sozinho escavar, perfurar a terra funda e dura de si mesmo até encontrar alguma água de salvação pessoal. Repetidamente  esse processo se torna fácil e natural, e é como viver num oásis de água escavada em noites escuras.

                  Ainda não sou o homem que eu quero ser, com todo o conhecimento e sabedoria e respeito por mim mesmo que eu quero ter, mas busco, quando consigo, ter alegria de perceber que estou no caminho. Senão no topo da montanha mas ao menos subindo a montanha de mim mesmo. Antes eu tinha medo do erro, hoje eu vejo como é bom errar, porque  errando se aprende pela experiência. Nosso cérebro constrói nossos circuitos para encontrar o caminho. O erro é naturalmente o caminho do acerto, e é portanto parte do acerto em si mesmo. Fiz as pazes com o erro, assim como tento perdoar o inverno e agradecer porque será verão e primavera outono, e três estacoes que são muito boas, e apenas uma que não é tão agradável e pelo mérito das outras merece ser perdoada. Nem sempre consigo escrever no tom poético como deveria. As vezes eu preciso me infiltrar silenciosamente no  cotidiano sem ser  percebido , e deste cotidiano, transitando entre o silencio mudo das pessoas sem rosto, retirar alguma sabedoria, alguma inspiração, não deles, mas minha, de eu para mim. Agradeço por poder conseguir expressar meus sentimentos em palavras. Vivemos num planeta de mudos. Sua forma de expressão- bem como a minha algumas vezes, pois tenho asco a hipocrisia-  a sua forma de expressão da dor é um pulso rápido de prazer clandestino que logo retoma de novo a dor. Nada foi escrito, pintado, esculpido, cantado, apenas passou. E voltará . É triste viver num mundo de pessoas mudas e surdas. Se ao menos alguém gritasse a sua dor para que isso fosse um assunto que se pode discutir, mas nem isso. Sob este ponto de vista eu sou a minha voz, e os meus ouvidos para ouvir essa voz, e o aprendizado que acontece diariamente dentro da minha cabeça . Eu não entendo hoje, melhor, digo que não entendo, mas tenho suspeitas. Digo que não entendo o porque desse silencio, caminhada no meio da noite. Mas ao olhar os exemplos daqueles que foram ( heróis?) eu tenho um suspiro de entendimento. Que tipo de salvação eu poderia oferecer se fosse apenas igual? Essa dor que guardo no peito devido ao contraste é levemente substituída pela alegria de ser um contraste. Deixa de ser apenas um branco sem o escuro, um branco mudo que é a mistura de todas as cores e ao mesmo tempo é cor nenhuma. Por anos eu sofri por essa diferença. Mudei minha perspectiva, hoje minha alegria vem dessa diferença. E outros, diferentes como eu, por um fenômeno que não sei explicar, devagar se aproximam, como espécies que se reconhecem., muito naturalmente. Sempre fui e serei um  homem de poucos amigos, poucos, mas intensos, verdadeiros, que faz sentido tê-los. Como eu já disse eu preciso de sentido para as coisas da vida. Tudo que eu preciso saber eu sei ou me é revelado de alguma forma, não porque eu tenha postulado essa afirmação, religiosamente, mas porque ao contrário, empiricamente, eu apenas observo que ela funciona. Busco não julgar quem o faz, mas não sinto a necessidade de estar acompanhado de multidões de amigos profetas radiofonizando o futuro ou tudo que deve ser feito e comprado e assistido. Eu sou eu, e me construo intimamente, de dentro pra fora, com o menor número de influências possível. Assim vou me entendendo e cada dia que me entendo mais um pouco é uma felicidade maior que se me adiciona. O que eu descobri e que mudou de uma forma drástica  a minha visão do que era sofrer foi que as mesmas causas da minha dor passaram a ser as causas de minha alegria. O meu modo de ser especial, o modo como eu admiro pessoas raras. Não acredito em Deus, mas acredito em alguma forma de sentido para onde tudo que acontece no universo tem uma explicação. A perfeição  em que se inseriu a vida é o efeito de alguma coisa. Uma causa também perfeita, simétrica. Os meus anos estudando física me fizeram ser um crente dessas simetrias. A biologia molecular, a informação genética sendo expressa na forma de vida. Parece um tanto quanto cômico acreditar numa certa forma de acaso não pensado gerando tudo isso. Não posso provar, é a minha opinião, mas um dia observado uma árvore um pensamento me veio a mente. Aquela árvore, seca, congelada, com neve aos seus pés, gelo cobrindo as suas raízes, mas todo um código genético, uma programação que leva ao fato de a arvore saber quando a primavera se inicia e quando é hora de fazer as folhas nascerem e de voltar a florir e de realizar ciclos e ciclos ate a hora de sua morte, em que muito humildemente ela volta a se fundir ao sistema que a gerou. E se do mesmo modo como essa arvore é programada por um código genético, como por trás de toda uma forma perfeitamente organizada de guardar informação, o universo também tenha um código por trás de si ? Uma vez plantada a semente a árvore  teria seu destino traçado, e se após a semente “ do big bang” quem sabe, tudo também estivesse de alguma forma programado e a vida em algum ou em vários planetas fosse um fato do destino. E sobre quantas outras camadas de organização estaríamos inseridos ate chegar aqui. O ser humano é muitas vezes  crucificado por esta ideia de estar abandonado no universo, mas a  observação de pequenos milagres que acontecem ao nosso redor me permite de alguma forma me sentir confortável com a perfeição de tudo. E o simples fato de estar inserido nesta perfeição tira de mim a necessidade de criar algum Deus para me proteger, quer ele exista ou não. Se eu pudesse pedir ao universo alguma coisa, eu pediria para ter a sabedoria e também a humildade de uma árvore. De saber florir, e dar seus frutos, e ter a paciência de aguardar as estacoes, e  saber perdoar o inverno. E quando se vai morrer tombar lentamente, sob a tarde de um pôr do sol qualquer, com a serenidade de quem sabe que tudo é uma coisa só, que a morte não existe e que tudo continua, e assim  tombar levemente , como que numa última despedida, num aceno em que se vai feliz. Serenamente desexistir, com uma onda de amor deixada no vento da sua rápida, primeira e última passagem pela atmosfera ao seu redor. E maternalmente  doar seu corpo de volta  a terra, para permitir que a vida continue, sendo agora, mais que a vida, mas  parte da vida, em comunhão com  todas coisas.“

Yuri Volpato