“…quanto
a este livro muitos trechos serão acrescentados, outros retirados. Mas este não,
permanecerá intocado. Prometi a mim
mesmo manter na integra a reprodução desse impulso que se me aconteceu. Eu sou
a razão de mim próprio, eis o impulso. Foi de uma motivação exterior, mas de
qualquer forma, foi uma motivação. E que aconteceu. Não busco muito me
perguntar como. O que descobri é que enquanto eu estiver cercado do
conhecimento estarei seguro. Porque no conhecimento encontro um propósito para
a vida. Essas crianças, adolescentes que eu ainda nem conheço vão precisar
dessas palavras que eu estou agora construindo, ligando , sinapse a sinapse, no
meu cérebro. Quando a gente se descobre assim, no meio no nada, é natural uma
solidão inicial. Não diria solidão, solidão é ter desistido de si mesmo,
qualquer coisa diferente disso é apenas uma espécie de saudade. Diria portanto,
que nesse momento inicial da descoberta de si mesmo se é percorrido por um
estranhamento. Estranhamento este que é logo dissolvido ao perceber o prazer
escondido em ser seu próprio alicerce, a própria salvação e seu próprio
salvador. Esta atitude tão imaterial, porém tão real num sentido pragmático faz
da gente um lugar agradável, como jasmineiros visitados por beija-flores. E as
pessoas certas se aproximam, e os caminhos se abrem, e a vida flui sem nenhum
sofrimento. Minto. Todo o sofrimento continua lá, os nossos olhos para eles é
que são outros. Porque a partir do momento em que torna-se a si mesmo o próprio ponto de apoio e referencia todo o
resto , que mesmo por definiçnao é só resto, desaparece. Se eu pudesse resumir
a minha vida em uma frase seria isso: a busca por entender. Parte do meu
sofrimento também vem disto, como a dor e o prazer como faces da mesma moeda.
Entender é a minha libertação, êxtase, felicidade límpida e clara. Mas o não
entender é a via crucies do meu intelecto, fonte das minhas angustias
existenciais e metafisicas. O que busco é encontrar este ponto no meio do caminho.
Conviver pacificamente com a duvida. Descobrir que eu não posso entender tudo, e estar bem
com este fato. Alegrar me pelas coisas que eu sei ao invés de lamentar-me pelo
que eu não sei. Muitas vezes o ser humano tem que se apresentar diante do nada
e diante do nada sozinho escavar, perfurar a terra funda e dura de si mesmo até encontrar alguma água de salvação pessoal. Repetidamente esse processo se
torna fácil e natural, e é como viver num oásis de água escavada em noites
escuras.
Ainda não sou o homem que eu
quero ser, com todo o conhecimento e sabedoria e respeito por mim mesmo que eu
quero ter, mas busco, quando consigo, ter alegria de perceber que estou no
caminho. Senão no topo da montanha mas ao menos subindo a montanha de mim
mesmo. Antes eu tinha medo do erro, hoje eu vejo como é bom errar, porque errando se aprende pela experiência. Nosso
cérebro constrói nossos circuitos para encontrar o caminho. O erro é
naturalmente o caminho do acerto, e é portanto parte do acerto em si mesmo. Fiz
as pazes com o erro, assim como tento perdoar o inverno e agradecer porque será
verão e primavera outono, e três estacoes que são muito boas, e apenas uma que
não é tão agradável e pelo mérito das outras merece ser perdoada. Nem sempre consigo
escrever no tom poético como deveria. As vezes eu preciso me infiltrar
silenciosamente no cotidiano sem
ser percebido , e deste cotidiano, transitando entre o silencio mudo das
pessoas sem rosto, retirar alguma sabedoria, alguma inspiração, não deles, mas
minha, de eu para mim. Agradeço por poder conseguir expressar meus sentimentos
em palavras. Vivemos num planeta de mudos. Sua forma de expressão- bem como a
minha algumas vezes, pois tenho asco a hipocrisia- a sua forma de expressão da dor é um pulso
rápido de prazer clandestino que logo retoma de novo a dor. Nada foi escrito,
pintado, esculpido, cantado, apenas passou. E voltará . É triste viver num
mundo de pessoas mudas e surdas. Se ao menos alguém gritasse a sua dor para que
isso fosse um assunto que se pode discutir, mas nem isso. Sob este ponto de
vista eu sou a minha voz, e os meus ouvidos para ouvir essa voz, e o
aprendizado que acontece diariamente dentro da minha cabeça . Eu não entendo
hoje, melhor, digo que não entendo, mas tenho suspeitas. Digo que não entendo o
porque desse silencio, caminhada no meio da noite. Mas ao olhar os exemplos
daqueles que foram ( heróis?) eu tenho um suspiro de entendimento. Que tipo de
salvação eu poderia oferecer se fosse apenas igual? Essa dor que guardo no
peito devido ao contraste é levemente substituída pela alegria de ser um
contraste. Deixa de ser apenas um branco sem o escuro, um branco mudo que é a mistura
de todas as cores e ao mesmo tempo é cor nenhuma. Por anos eu sofri por essa
diferença. Mudei minha perspectiva, hoje minha alegria vem dessa diferença. E
outros, diferentes como eu, por um fenômeno que não sei explicar, devagar se
aproximam, como espécies que se reconhecem., muito naturalmente. Sempre fui e
serei um homem de poucos amigos, poucos, mas intensos, verdadeiros, que faz
sentido tê-los. Como eu já disse eu preciso de sentido para as coisas da vida.
Tudo que eu preciso saber eu sei ou me é revelado de alguma forma, não porque
eu tenha postulado essa afirmação, religiosamente, mas porque ao contrário,
empiricamente, eu apenas observo que ela funciona. Busco não julgar quem o faz,
mas não sinto a necessidade de estar acompanhado de multidões de amigos
profetas radiofonizando o futuro ou tudo que deve ser feito e comprado e assistido.
Eu sou eu, e me construo intimamente, de dentro pra fora, com o menor número de
influências possível. Assim vou me entendendo e cada dia que me entendo mais um
pouco é uma felicidade maior que se me adiciona. O que eu descobri e que mudou
de uma forma drástica a minha visão do que era sofrer foi que as mesmas
causas da minha dor passaram a ser as causas de minha alegria. O meu modo de ser
especial, o modo como eu admiro pessoas raras. Não acredito em Deus, mas acredito
em alguma forma de sentido para onde tudo que acontece no universo tem uma explicação.
A perfeição em que se inseriu a vida é o
efeito de alguma coisa. Uma causa também perfeita, simétrica. Os meus anos
estudando física me fizeram ser um crente dessas simetrias. A biologia
molecular, a informação genética sendo expressa na forma de vida. Parece um
tanto quanto cômico acreditar numa certa forma de acaso não pensado gerando
tudo isso. Não posso provar, é a minha opinião, mas um dia observado uma árvore
um pensamento me veio a mente. Aquela árvore, seca, congelada, com neve aos
seus pés, gelo cobrindo as suas raízes, mas todo um código genético, uma programação
que leva ao fato de a arvore saber quando a primavera se inicia e quando é hora
de fazer as folhas nascerem e de voltar a florir e de realizar ciclos e ciclos
ate a hora de sua morte, em que muito humildemente ela volta a se fundir ao
sistema que a gerou. E se do mesmo modo como essa arvore é programada por um
código genético, como por trás de toda uma forma perfeitamente organizada de
guardar informação, o universo também tenha um código por trás de si ? Uma vez
plantada a semente a árvore teria seu
destino traçado, e se após a semente “ do big bang” quem sabe, tudo também
estivesse de alguma forma programado e a vida em algum ou em vários planetas
fosse um fato do destino. E sobre quantas outras camadas de organização estaríamos
inseridos ate chegar aqui. O ser humano é muitas vezes crucificado por
esta ideia de estar abandonado no universo, mas a observação de pequenos
milagres que acontecem ao nosso redor me permite de alguma forma me sentir confortável
com a perfeição de tudo. E o simples fato de estar inserido nesta perfeição tira de mim a necessidade de criar algum Deus para me proteger, quer ele exista ou não. Se eu pudesse pedir ao universo alguma coisa, eu pediria para ter a sabedoria e também a humildade de uma árvore. De saber florir, e dar seus
frutos, e ter a paciência de aguardar as estacoes, e saber perdoar o inverno. E quando se vai
morrer tombar lentamente, sob a tarde de um pôr do sol qualquer, com a serenidade
de quem sabe que tudo é uma coisa só, que a morte não existe e que tudo
continua, e assim tombar levemente , como que numa última despedida, num aceno em que se vai feliz. Serenamente desexistir, com uma onda de amor
deixada no vento da sua rápida, primeira e última passagem pela atmosfera ao seu redor. E maternalmente doar seu corpo de
volta a terra, para permitir que a vida continue, sendo agora, mais que a
vida, mas parte da vida, em comunhão com todas coisas.“
Yuri Volpato
Yuri Volpato
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