(...) " — Ulisses, você se lembra de
que uma vez me perguntou por que eu voluntariamente me afastara das pessoas?
Agora posso falar. É que não quero ser platônica em relação a mim mesma. Sou
profundamente derrotada pelo mundo em que vivo. Separei-me só por uns tempos por
causa de minha derrota e por sentir que os outros também eram derrotados. Então fechei-me
numa individualização que se eu não tomasse cuidado poderia se transformar em solidão
histérica ou contemplativa. O que me salvou sempre foram os meus alunos, as crianças.
Sabe, Ulisses, elas são pobres e a escola não exige uniforme por isso. No inverno
comprei para todos um suéter vermelho. Agora, para a primavera, vou comprar para os meninos,
calça e blusa azul, e para as meninas vestidos azuis. Ou vou mandar fazer, é
mais fácil de encontrar. Tenho que tirar a medida de todos os alunos porque —
Quem se levantou para ir embora foi
Ulisses, para a surpresa de Lóri. Ele disse:
— Você está pronta, Lóri. Agora eu quero o
que você é, e você quer o que eu sou. "
( Clarisse Lispector - Uma
aprendizagem ou O livro dos prazeres )
(...)
Num mesmo dia dois fatos, distintos em si,
mas iguais em natureza me marcaram muito. Foi no dia seguinte ao que você tinha
ido embora. Eu ainda estava um pouco triste, pensativo, remoendo aquela
dorzinha misturada com saudade gostosa. Que na verdade direito eu nem sei o que
era. Os sentimentos tem muito disso. São confusos, embaraçados, enigmáticos,
mas possuem uma propriedade muito sutil de uma hora derramarem-se pelos
olhos...
Eu estava no supermercado. Os pensamentos
muito aéreos , quando chegou a minha vez de passar as compras. Então meio que
sem querer comecei a ouvir a conversa. Era entra a moça de caixa e uma outra
funcionária que por hora estava na função de embalar as compras." - Já que
melhora, isso passa, você vai ver. Tem que ficar com cabeça pra cima. Se deixar
a depressão pega hein... - É, eu sei, já me falaram isso, mas é difícil, ontem
fez 3 meses mas eu lembro todo dia, como se fosse ontem . - Não pensa nisso
não, já você fica bem ... " Eu acabei pegando a conversa no ar, mas logo
tentei imaginar do que se tratava. Fui fazer uma brincadeira com a moça, pra
descontrair o ambiente e puxar alguma conversa enquanto eu passava as compras.
- Que foi moça, perdeu o namorado ? - Não moço, antes fosse, perdi meu
filho - e fez um ar de como que fosse ensaiar um choro. Num primeiro momento eu
fiquei embaraçado, sem saber o que dizer . Mas continuei conversando para
tentar contornar a situação. - Nossa moça, meus sentimentos... Mas do que foi ?
Ele tinha quantos anos ? - Era novinho - respondeu ela - tinha 7 meses e morreu
de pneumonia... Ela disse que o menino tinha nascido com uma síndrome rara da
qual eu não me lembro o nome, e que depois de algum tempo não resistiu às
complicações da doença e veio a falecer. Eu fiquei mudo. Depois da resposta da
mulher não sabia mais o que dizer. Um pouco constrangido terminei de colocar as
compras nas sacolinhas e fui retirar a minha mochila no guarda volumes. Na
mochila coloquei as sacolas e retirei meus óculos escuros. Os coloquei e
comecei a chorar. Não sei exatamente porque... De alguma forma eu havia me
envolvido com o sentimento dela e fiquei imaginando a sua dor. Saí do
supermercado mas logo voltei. Pedi ao rapaz no balcão de atendimento um
pedacinho de papel e de caneta. Rabisquei algumas informações e voltei a moça.
- Moça, olha, com licença , eu não sei se a senhora tem alguma religião ou
alguma crença. Mas aqui está os horários e o endereço de um centro espírita que
eu frequento. Pode ir, a reunião é rapidinha, dura só meia hora. Acho que pode
ajudar você. Sempre que eu vou lá me sinto renovado, consolado. Bom, é só um
palpite, espero que você goste. Aqui também está meu nome e meu telefone, se
você precisar de alguma coisa ou quiser que eu te acompanhe lá algum dia....
Depois disso eu fui embora, de bicicleta, os óculos escuros, ainda chorando
muito. Se havia algum sentimento que eu não conhecia, ele fora cutucado. Ao
mesmo momento que as lágrimas se derramavam, meu coração ia ficando cheio. De
uma paz, de um sentido, de alguma coisa que faz a vida valer a pena e que eu
ainda não sei o nome. Se a moça, que eu nem conheço, se ela eventualmente visitou o centro espírita, eu nunca
saberei. Mas sei que no meu coração existe essa possibilidade , de que ela
tenha ido e alguma palavra a tenha consolado. Que no coração de mãe que ela
abriga, a dor de perder o filho pudesse ser um pouco melhor entendida e talvez
amenizada. Ou talvez ela nem fosse, mas só o fato de saber que alguém se
preocupou com o sentimento dela talvez fizesse mais feliz, um pouquinho, o dia
dessa mulher. Dentro de mim era um mar de sensações novas, de êxtase, pela conquista
pessoal que eu sempre coloquei em minhas preces " eu quero aprender o amor
". Assim mesmo, sem nenhuma especificação. Qualquer tipo de amor. Eu quero
crescer nisso, eu quero entender isso que dá tanto sentido a vida. Mas o meu
dia, minha experiência não acabou aí. Eu fui pra aula de manhã e a tarde fui na
academia; Saindo dali eu tinha uma monioria a noite, mas resolvi passar no mercado
pra comer alguma coisa, porque eu não tinha almoçado e estava com muita fome.
Entrei no mercado próximo de onde eu estava passando e comprei um iogurte e uma
maçã, um lanche rápido antes da aula, só pra aguentar assistir sem passar muita
fome. Subindo pra faculdade eu estava bebendo o iogurte e com a maçã na
mão. Nisso eu passo em frente em uma casa e ouço um homem, provavelmente
morador de rua, pelas vestimentas, falando com a dona de uma casa ao
interfone... - A senhora não teria um pratinho de comida, alguma coisa que
sobrou ? ... Nem ouvi a resposta da mulher do outro lado da linha e
espontaneamente perguntei pra ele ... - O senhor está com fome ? Toma ,
pode pegar.... E lhe ofereci a minha maçã. Eu estava com com fome também, mas
ele estava com mais. E os olhos dele, agradecidos pelo meu gesto, foram mais
que do que suficientes para alimentar a fome,outra, que eu trazia na minha alma. Fome
de fazer um ser humano feliz. Fome de fazer a diferença na vida de alguém. Ele
agradeceu mais algumas vezes e depois eu parti, também chorando muito porém com
um sorriso no rosto. Peguei o celular, e nas minhas notas deixei um recadinho assim
... " fortes indícios de que eu estou muito perto de entender o sentido da
vida ... entre parêntesis : amor "...Eu não precisava mais de nada daquele
momento em diante, e devo confessar que estou assim até agora. Qualquer
solidão, qualquer angústia, qualquer pergunta que possa gerar inseguranças ,
tudo foi respondido. Eu acho que foi naquele momento que eu passei a entender
Deus ... Eu entendi Deus quando parei de olhar
pra cima e comecei a olhar pra frente...e vi olhos como os meus precisando dos
meus sorrisos, vi braços como os meus precisando dos meus abraços, vi corpos
como os meus precisando de calor e de alimento... quando eu olhei pra frente
apenas, eu vi gente como eu, sentindo, sofrendo, existindo, e precisando da
única coisa que eu podia lhes oferecer : amor ... Hoje em dia, isso é Deus pra
mim . Não sei como isso começou a acontecer. Mas sei que começou com você...
Este espaço é meu então eu sou livra para falar de como eu sou seu fã... Isso
tudo começou quando eu vi como você se amava, e se amando, como se
sentia e era completo. Completo no sentido de oferecer, de se doar. De se doar
como amigo, como pessoa, como ser humano. De criar laços, de pensar no próximo,
de respeitar, de ser indulgente, de ser cuidadoso com a palavra falada. De
existir de uma forma a sempre pensar em todas as pessoas como iguais. Eu posso
escrever o tanto que for, você não iria entender até que visse de fora. Que
conseguisse enxergar tudo que você é e tudo me inspirou a ser. Eu não sabia dessas
coisas. Por não me amar eu nunca tive nada a me oferecer e por isso nada a te
oferecer. Mas de uma forma que eu não sei explicar, eu fui aprendendo. A me
olhar no espelho e dizer " eu te amo " dizer " eu te amo e te aceito
exatamente como você é ". Eu aprendi a aceitar meus limites, e a amar
minhas potencialidades. A aprendi a aceitar e procurar meus defeitos e dar
valor nas minhas qualidades. Primeiro eu aprendi a cuidar de mim,
para depois conseguir cuidar do outro. Hoje em dia , como a Lóri do livro da
Clarisse, eu me sinto pronto. Eu me sinto o príncipe que eu sempre busquei fora
de mim. Não sei se você vai me escolher. Não sei se você vai querer ser meu
namorado. Não sei se você vai permitir que o passado fique para trás e eu te
mostre quem eu sou hoje... E nem faz sentido tentar te mostrar isso com
palavras.... É com o tempo, com silêncios de paz no seu coração, com somas de
confortos, de proteção, com pequenas palavras, pequenos gestos...pequenas coisas que vão te mostrar dia após dia que eu quero te devolver todo o amor que você me ensinou ... Eu só queria
uma chance de começar de novo com você... Só queria uma chance pra te mostrar
quem eu sou hoje, e o que eu posso te oferecer hoje... E isso não passa pela
intelectualidade complexa e prolixa de mil palavras escritas e faladas... Isso
passa pelo sentimento, que eu quero cultivar em você dia após dia... Hoje
eu não te vejo mais simplesmente como cara gostoso com o qual eu passava meu fim de semana
... Eu te vejo como homem, como um ser humano, como namorado que eu sempre
sonhei ter.Hoje em dia eu tenho orgulho de falar pras pessoas quem você é e tudo que você significa pra mim. Com você eu aprendi que distância não é nada, tempo não é nada, onde houver sentimento, vínculo, vontade de
ser feliz junto, então aí se tem tudo... Eu sei que deve ser difícil pra você,
esquecer o passado, colocar um ponto final e começar de novo. Mas se por acaso você conseguir isso, por favor, me avisa logo, pra eu não perder tempo, e ir correndo te fazer o namorado mais feliz do mundo...
Com carinho,
Yuri