sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Perfect Sense



            De repente eu me vi ali. Num estalo de consciência a vida caiu sobre mim. O filme havia acabado. Na minha cabeça milhares de perguntas, angústias, euforias, mas nenhum sentimento que eu pudesse entender direito. Eu, ali, na fileira da frente num debate sobre a psicanálise do amor, entre médicos, psicoterapeutas, estudantes, curiosos. Como muito deles tentando  entender e dar um sentido a isso que chamamos existência humana. "Os sentidos do amor", ou Perfect sense , em sua versão original  é um filme instigante, questionador. Da mesma linha dos dramas angustiantes de Lars Von Trier, como Dançando no Escuro ou Melancolia, com algo de existêncial levantado em A árvore da vida. Muita alusão também foi feita ao filme Ensaio sobre a cegueira , mas eu creio que em Perfect Sense a temática existencial é ainda mais profunda e ousada ao lidar com a busca da essência de um tema tão indecifrável que é o amor. Toda a análise que farei aqui seria um tanto invalidada para aqueles que não assistiram ao filme, mas um breve resumo pode ajudar. 
         O enredo se passa na Inglaterra, Londres muito provavelmente por várias vezes se notar a aparição das curvas do rio Tâmisa e os famosos arcos da Lodon Bridge. Susan é uma médica, epidemiologista que nunca foi feliz na escolha de seus relacionamentos. Ela descobriu muito cedo que era infértil e isso a levou a uma certa desilusão amorosa e um abandono da vontade de encontrar um companheiro que a amasse. Michael, interpretado por Ewan Mc Gregor é um chefe de cozinha de um dos principais restaurantes da cidade. É um cara do tipo canalha, que aparece em uma das primeiras cenas do filme  pedindo gentilmente que uma mulher que dormia em sua casa  fosse embora porque ele não conseguia dormir com outra pessoa na cama . Ela tinha acabado de conhecer a moça em uma festa e tinha feito sexo com ela a noite toda. Por aí já se percebe o histórico psico-emocional dos personagens da trama principal. A questão é que Suzan, como epidemiologista, começa a receber casos de pacientes que repentinamente sentem um luto muito grande , com ares de perda de controle emocional, e que ficam uns dias ora sem consciência  ora apresentando elevada irritação misturada com angústia e em seguida perdiam o olfato. Havia alguns casos relacionados no mundo e não se sabia se a doença era contagiosa ou não. O caso é relatado no ínício como S.O.S, de Síndrome Olfativa Severa, um nome muito sugestivo para o proósito da crítica que é feita. Michael, que trabalhava como chef em um restaurante começou a ser afetado, uma vez que os clientes não se interessavam mais em pagar restaurantes caros se nem mesmo podiam sentir o cheiro da comida. Num desses turnos vazios no trabalho Michael sai por um instante para fumar um cigarro e encontra Susan na janela, também fumando. E nesse momento, para aqueles que ficaram atentos, ocorre um prenúncio de toda a rede de descontrução pela qual o filme será marcado. Primeiramente ele pede que ela que forneça um cigarro, e um isqueiro , o que ela o faz prontamente. Em seguida Michael se encanta por Susan e tenta convidá-la para sair. Oferece para que saiam para comer algo, mas ela nega, a convida para apreciar um bom vinho, mas ela também nega, então a convida para escutar alguma música na praça mas ela também diz que não. Então por último ele diz - E ar fresco ? Vamos tomar um pouco de ar fresco ? Até que enfim ela aceita e os dois começam a sair. Nesse momento um tom apocalíptico começa a tomar conta da cena de  uma forma bilateral. Tanto no relacionamento de Michael e Susan quanto na evolução da doença do mundo. A síndrome, incialmente caracterizada como S.O.S, parece se alastrar de forma desordenada. Após os surtos de luto e a perda do olfato as pessoas começam a ter impulsos de comer tudo que vêem pela frente, em cenas que chegam a ser grotescas, com algumas pessoas mastigando peixes vivos , bebendo litros de molho shoyo,comendo  flores e até mesmo batom e sabonetes. Seguindo-se a isso, o paladar das pessas desaparece. Susan e Michael também estão infectados, com o paladar e o olfato inacessíveis. Nesse momento Michael se dispõe a dormir na casa de Susan. E eles se encontram na cama, se beijam e fazem sexo pela primeira vez. Ele sente pena de não sentir seu cheiro nem o gosto de sua boca, mas tentam se encontrar o quanto podem na experiêcia do corpo. Apesar de terem transado, Susan pede que Michael vá embora, pois quer ficar sozinha, e nesse ponto se percebe que o ato sexual é permitido, mas a entrega sentimental não o é. Dormir com um desconhecido seria uma entrega muito maior, pois no momento do sono todas as nossas faculdades conscientes e cognitivas estão desacordadas. É preciso que esta fusão sentimental demore um pouco mais para acontecer. Isso mostra que ela apesar de ter sido machucada por outros relacionamentos ainda, em partes, guarda o respeito por si própria. O que se segue no decorrer desta trama é o avanço da doença e o comprometimento cada vez maior de Michael e Susan, que se vêem somente com um ao outro enfrentando uma epidemia que o mundo não conhecia. O terceiro sentido que as pessoas começam a perder é a audição, mas antes disso o quadro clínico é caracterizado por uma enorme euforia e um medo da morte. Os pacientes, bem como Susan e Michael que também foram atingidos, começam a ter surtos de ódio e ira, e em seguida vem a surdez. Nesse momento Michael e Susan tem seu primeiro afastamento, quando antes de ele ficar surdo ele diz coisas que a ferem sentimentalmente, e isso acontece devido ao prognóstico próprio  da síndrome. Em seguida ele ensurdece e ela parte magoada. As cidades começam a ficar sitiadas e o clima de devastação é total. Em vários momentos a frase " life must go on " é citada, em alusão aqueles que , apesar de estarem perdendo tudo ainda tentam reconstruir suas vidas. Michael, após recobrar seu estado de consciência e já estando surdo e sem olfato nem paladar liga para Suzan e grava uma mensagem na caixa postal do seu celular, pedindo desculpas e explicando que aquilo havia sido causado pela doença. Ela ouve a mensagem mas não o perdoa. A síndrome já a estava tomando também . Num ímpeto de ódio e ira próprios da pandemia que se alastrava ela destrói seu laboratório e decide  que não vai continuar seu relacionamento com Michael. Em seguida, fica surda também. Neste ponto o filme toma ares de tensão. Não se ouve nenhum som, mas pode se sentir a movimentação emocional dos personagens, compartilhar com eles suas angústias, seus medos, suas solidões. Um mundo caótico se instaura e mais uma vez as cenas apocalípticas são invocadas. Depois de perderam três sentidos, é esperado que logo a visão também se vá. E as pessoas começam a se voltar para seus próprios lados espirituais, experimentando estados de felicidade com o pouco que tinham. Como se depois de perderem tudo, estivessem dando adeus umas às outras antes que as luzes se apagassem. É nesse contexto que acontece o reencontro de Michael e Susan. Os dois já quase cegos vão se procurar antes que seja tarde demais. Ela volta ao restaurante de carro e ele entra para procurar ela. Há então um desencontro. Quando ele sai do restaurante, já não enchergando, o carro dela não está mais ali. Por um momento o clima fica de novo trágico, com ameaças de que o reencontro nunca ocorrese. Mas por uma intuição interna ela volta  com o carro, e para logo  atrás dele. E mesmo sem ouvir nem enchergar ele pressente a sua presença. De uma forma quase que impossível, guiados por um sentimento totalmente externo a qualquer experiência sensorial, eles vão caminhando, passo a passo, até se tocarem as mãos, se abraçarem e se beijaram . Toda a descontrução foi feita , terminada. Com uma lâmina afiada a trama dilacerou qualquer possibilidade de que alguma coisa perdurasse entre eles. Mas a grande lição é que, apesar disso tudo o amor ainda resiste. E essa é a mensagem. É sobre essência. As frases finais expressam muito bem este sentimento ... " Já era escuro agora, mas eles sentiam a respiração um do outro, e eles já sabiam tudo o que precisavam saber. Eles se beijaram e sentiram as lágrimas um do outro em seus rostos . E se houvesse alguém para vê-los nesse momento, então eles seriam vistos como qualquer outro casal apaixonado, acariciando um a face do outro, os corpos próximos, lábios colados, olhos fechados...óbvios para o mundo ao redor deles... porque é desta maneira que a vida continua... exatamente desta maneira "
                   Está pronto, esta é a matéria prima, quem quiser se aprofundar que assista, e sinta por si só.  O que eu só quero registrar aqui são as minhas impressões. Uma coisa que eu questionei a terapeuta palestrante foi em relação ao tempo. Pareceu-me que um amor desses não se constrói num período de um a dois meses como deu a entender que aconteceu no filme. Não me lembro direito da resposta dela , mas tem alguma coisa a ver com eu não tentar racionalizar em questão de números como tempo e estimativas estas questões sentimentais, mas disse somente que quando é pra acontecer simplesmete acontece , e que um dia eu iria entender isso. E neste momento ela deu um sorriso e olhou pro fundo da sala onde estava o marido dela. Não contive minhas lágrimas, e continuei pensativo. Minha mente não parava de se agitar e tentar chegar num lugar onde ela jamais vai alcançar : o sentimento. O filme me levou a um estado de vazio. Mas apenas esse vazio, essa retirada, peça por peça. sentido por sentido, pode me mostrar o núcleo, o que realmente sobre quando se está com quem se ama. Os olhos fechados, nenhum som, uma experiência que te embriaga de tal forma que todos os sentidos são silênciados. Só existe aquilo, acontecendo, na mais completa escuridão o sob o calor úmido de algumas lágrimas, que, inevitavelmente, se precipitam. O filme é uma dilarecação, uma exposição e ao mesmo tempo a descrição mais completa da intimidade, do melhor momento que um ser humano pode experenciar, que é a sensação do amor. Neste momento eu me senti belo, inteligente, conversando desse meu jeito astuto e perpicaz, fazendo perguntas e obtendo respostas e demais indagaçôes. Fiquei lembrando de todas as vezes que eu eu estive imerso nesse vácuo de sentidos que é maior do que tudo que a experiência sensorial pode proporcionar:  olhos fechados, corpos colados, lábios entrelaçados... Meu texto termina aqui, estas três últimas expressões deixam no ar a sensação do filme, daquilo que realmente fica e que realmente é importante. Talvez não precisemos de nenhuma catastrofe apocalíptica para reconhecer isso, talvez exista um outro meio de capturar essa essência... Esse amor que sobra quando não se tem mais nada... Esse amor que talvez seja o único sentido de estarmos aqui, que seja a única razão de mais do que apenas ser, mas ser humano.


Yuri Volpato Santos

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