quarta-feira, 22 de abril de 2015

Ligação


Ele perguntou pelo meu nome, eu com o telefone no ouvido escutei mas não respondi. Não queria responder, só queria escutar a voz dele mais um pouco.  Não se fez então nenhum barulho entre nós. e nossa comunicação de a muito tempo se estabeleceu de novo. Ele sabia , e eu também que eu só queria escutar aquele silêncio. Fiquei mudo, com o telefone no rosto, sorrindo. Pensando nele. Como é que a gente consegue guardar pra sempre esses pedaços de tempo ? Não sei, mas consegue. Os meus olhos sorriam, o meu corpo todo sorria, porque silêncio era bom também. O que será que ele estava fazendo, do outro lado da linha, junto comigo, no silêncio ? Era bom estar com ele, junto com ele, mesmo que não fosse em um lugar físico, mas em um lugar espiritual. Como é que apenas uma ligação do telefone pode guardar mais transcendência do que as vozes de todos os santos e papas? Porque ali era só eu e ele, mais ninguém. Nossos pensamentos, nossas palavras não ditas, uma ou outra saudade. Muitas memórias. Já fazia mais de 2 anos que eu não falava com ele assim, por tanto tempo. E fazia muito tempo que eu não o via. Faz ainda muito tempo que eu não o vejo. Mas só de ver a foto, no celular, eu já relembrei tudo que eu sabia. Até  o sol, veja bem,  até o modo como o sol bate  na pele dele e brilha,  eu gosto.  É pobre falar isso ? É óbvio falar isso ? É, eu sei, mas ele é pra mim o homem mais lindo do mundo. Se eu soubesse falar de outro jeito, falava, mas agora eu só quero ser  sincero, antes que passe. A voz dele muda sabe ? Muda, eu sei que muda, eu conheço bem ele. Quando estamos falando de assuntos acadêmicos, coisas profissionais ele fala sério, fala pensando, com ar de autoridade. Mas aí ele cansa, volta a falar mansinho,  com aquela voz que ele só me dava quando a gente estava junto. Que bobo isso né? Todo mundo já pensou nisso, todo mundo já falou isso e já leu em algum lugar também. Eu concordo, mas não ligo. Amor é tão bom que a gente nunca cansa de falar dele. O que eu queria? Ele pra mim. Pra mim não, mas você entendeu. Aquele silêncio bom de quando a nossa conversa acabou ficou guardado aqui no meu ouvido. Eita gostosura de fim de mundo. Eita hora boa pra morrer. Eu acabasse ali, ficava sendo feliz, fica tudo bom e certo. Tudo ajustado. Sabe essa licença boa que se tem de morrer ? Pois eu tinha, com ele. Pois eu tenho só de lembrar dele. Se sonho, até hoje ? Sonho, e muito. Lembro por demais. As vezes sonho só com um abraço, e já é muito de bom por demais. Fico querendo sempre. Se a gente volta ? Fala isso não, que eu me perco nos eixos. Se existe milagre na Terra, a gente voltava. A se voltava. O céu, seu moço, não existisse. Mas se existisse era assim, com ele do meu lado, e mais nem ninguém não precisava. A gente, nós dois contra Deus e o Demônio juntos. Porque ele estando comigo eu não tenho medo de nada. A gente, sim, que proseia as nossas conversas, proseia os nossos silêncios também, esses sim, bons por demais, porque tem muito mais do que qualquer conversa nossa. Porque? Porque ele é mistério, eu não entendo nunca, porque ele não deixa. Se amo? Digo que amo, O que a gente ama não põe a gente a chorar a toa ? E não enche a gente de saudade? Pois então se amar é isso, eu amo. O beijo dele, seu moço, o senhor não sabe, isso não é coisa de Deus não . Isso não é coisa da Terra. Eu pra mim não me acontece que criação fez um beijo daquele, pra gente gostar por demais. Dentro do beijo dele eu fico que nem poderoso, sem poder nenhum. Fico calmo, de uma sereneza , de uma brandura, que nem passarinho no ninho.  Ali, o senhor pode que pode por fogo no mundo, e pode contar pra nós todos que vamos todos desaparecer depois da morte. Ali eu não tenho medo não senhor, ali dentro daquele beijo moreno dele eu sou super homem. Se eu acho ? Acho sim, não sei, bom acho que a gente abraça ainda, abraço bom, apertado, abraço choroso também. Porque eu amo, siô. Porque foi bom, e eu quero que dure. Não precisa de razão não. Algumas coisas não precisa de explicação não siô. E se tiver, eu não quero saber, eu só quero o silêncio comigo. Eu me vou agora, vou dormir, sim, vou com ele. Com esse pedaço grande de silêncio guardado no meu ouvido. Preciso de mais nada não, preciso de mais nada.




quinta-feira, 16 de abril de 2015

Helena e a abelha

Algumas vezes, mas só algumas vezes é que se pode experimentar a vida, a alegria, o êxtase de viver. Quase sempre, em quase todos, o que acontece é um diálogo muito tênue com a morte, com a falta. A gente não sabe o que é nosso de direito, não sabe do que pode - não é abelha, é enxame. Aqueles que fogem do seu estado natural de enxame estão contrários ao fluxo também da vida, estão desgarrados. Morrem porque não acreditam que podem ser abelhas sozinhas, não acreditam na sua individualidade como abelha dona do seu destino e , portanto, livre. É a crença ingênua da abelha que determina ser sua morte parte da sua liberdade. É como um contrato, é o preço que pagam por não estar junto das outras. Porque se as abelhas pensassem, porque se as abelhas ousassem , elas também diriam do seu amor quase que cristão pelo bando ao qual pertencem. Não se conhece a vida de uma abelha sozinha, a não ser quando mortas na beira das poças, no seu último bater de asas, ( no seu olhar?) último, suplicando um último voo, suplicando um tantinho mais de alguma coisa que julgamos ser vida. Mas eu acredito que não, elas não pedem por mais vida, acredito que elas suplicam pelo seu fim, por um pisão, bem dado, de sapato. Por um fim rápido e indolor, porque que querem acabar, e não porque queiram continuar um pouco mais. A abelha é inteligente, esperta, objetiva. Quem pede por uma extensão inútil do seu estado de sofrimento são os homens. Nós sim é que somos contraditórios, não aprendemos dos animais a sublime arte de fazer três coisas básicas: nascer, morrer e viver com naturalidade.
            Mas quem somos nós para falar da vida das abelhas sendo humanos? O que podemos falar é do nosso modo humano de entender a abelha, nada mais que isso. Com todas as nossas complicações, nossas ideias pré concebidas de mundo, nossas frustrações, desejos e sonhos, o emaranhado poluído de nossa mente pensante. Mas o que seria então o mais próximo que poderíamos chegar da vida de uma abelha? Acho que elas sabem do seu começo e do seu fim, e estão bastante em paz com isso, sem nenhum receio de que na hora de sua morte não haja ninguém para servir-lhe de testemunha única de pena e piedade. Diferente do homem, a abelha sabe que não veio de lugar nenhum e nem vai para lugar nenhum. Sua vida é, muito grandiosamente, o período compreendido entre seu nascimento e sua morte, apenas isso. Uma abelha é sozinha no mundo. Ninguém chorou de alegria seu nascimento e nem chorará de tristeza a sua morte. É natural e bom que seja assim. E creio que tal sabedoria está embutida em seu modo animal e bom de ser o que se é.

            Nós tememos os insetos porque eles não tem o sangue quente como o nosso. Acredito, entretanto é que nós temamos a frieza do nosso próprio sangue: quente e humano. Que nós tenhamos repulsa daquilo que é ao mesmo tempo motivo de prazer e dor, que é estranho ao nosso  modo normal de ser o que seríamos se pensássemos menos. Bom seria se seguíssemos apenas o fluxo da vida como um animal manso se encaixa tão bem com a natureza, e dela nasce, e dela vive, e nela morre, e volta a ser parte da mesma natureza, na forma de outros átomos, não reciclados - porque se recicla apenas o que já foi lixo,  mas apenas combinados de outra forma uma vez que nunca se desgastam. Há uma sabedoria enorme em ser átomo, em ser planta, em ser bicho, mas não em ser homem. Pra ser homem a gente tem que aprender a ser. Tem que aprender a suportar quantias cada vezes maiores de vida, e estar de bem com isso. O homem se julga de uma inteligência  maior, porque sabe criar. Mas lhe falta a inteligência primeira e mais primordial, que é a gente saber ser. Porque a gente está a toda hora se matando, destruindo pedaços do que se constrói. Querer para si a vida que se tem é que é o segredo, o difícil.