Algumas vezes, mas só algumas vezes é que se pode experimentar a
vida, a alegria, o êxtase de viver. Quase sempre, em quase todos, o que
acontece é um diálogo muito tênue com a morte, com a falta. A gente não sabe o
que é nosso de direito, não sabe do que pode - não é abelha, é enxame. Aqueles
que fogem do seu estado natural de enxame estão contrários ao fluxo também da
vida, estão desgarrados. Morrem porque não acreditam que podem ser abelhas
sozinhas, não acreditam na sua individualidade como abelha dona do seu destino
e , portanto, livre. É a crença ingênua da abelha que determina ser sua morte
parte da sua liberdade. É como um contrato, é o preço que pagam por não estar
junto das outras. Porque se as abelhas pensassem, porque se as abelhas ousassem
, elas também diriam do seu amor quase que cristão pelo bando ao qual
pertencem. Não se conhece a vida de uma abelha sozinha, a não ser quando mortas
na beira das poças, no seu último bater de asas, ( no seu olhar?) último,
suplicando um último voo, suplicando um tantinho mais de alguma coisa que
julgamos ser vida. Mas eu acredito que não, elas não pedem por mais vida, acredito
que elas suplicam pelo seu fim, por um pisão, bem dado, de sapato. Por um fim
rápido e indolor, porque que querem acabar, e não porque queiram continuar um
pouco mais. A abelha é inteligente, esperta, objetiva. Quem pede por uma
extensão inútil do seu estado de sofrimento são os homens. Nós sim é que somos
contraditórios, não aprendemos dos animais a sublime arte de fazer três coisas
básicas: nascer, morrer e viver com naturalidade.
Mas quem somos nós
para falar da vida das abelhas sendo humanos? O que podemos falar é do nosso modo
humano de entender a abelha, nada mais que isso. Com todas as nossas complicações,
nossas ideias pré concebidas de mundo, nossas frustrações, desejos e sonhos, o
emaranhado poluído de nossa mente pensante. Mas o que seria então o mais
próximo que poderíamos chegar da vida de uma abelha? Acho que elas sabem do seu
começo e do seu fim, e estão bastante em paz com isso, sem nenhum receio de que
na hora de sua morte não haja ninguém para servir-lhe de testemunha única de
pena e piedade. Diferente do homem, a abelha sabe que não veio de lugar nenhum
e nem vai para lugar nenhum. Sua vida é, muito grandiosamente, o período
compreendido entre seu nascimento e sua morte, apenas isso. Uma abelha é
sozinha no mundo. Ninguém chorou de alegria seu nascimento e nem chorará de
tristeza a sua morte. É natural e bom que seja assim. E creio que tal sabedoria
está embutida em seu modo animal e bom de ser o que se é.
Nós tememos os
insetos porque eles não tem o sangue quente como o nosso. Acredito, entretanto
é que nós temamos a frieza do nosso próprio sangue: quente e humano. Que nós
tenhamos repulsa daquilo que é ao mesmo tempo motivo de prazer e dor, que é
estranho ao nosso modo normal de ser o
que seríamos se pensássemos menos. Bom seria se seguíssemos apenas o fluxo da
vida como um animal manso se encaixa tão bem com a natureza, e dela nasce, e
dela vive, e nela morre, e volta a ser parte da mesma natureza, na forma de
outros átomos, não reciclados - porque se recicla apenas o que já foi
lixo, mas apenas combinados de outra
forma uma vez que nunca se desgastam. Há uma sabedoria enorme em ser átomo, em
ser planta, em ser bicho, mas não em ser homem. Pra ser homem a gente tem que
aprender a ser. Tem que aprender a
suportar quantias cada vezes maiores de vida, e estar de bem com isso. O
homem se julga de uma inteligência
maior, porque sabe criar. Mas lhe falta a inteligência primeira e mais
primordial, que é a gente saber ser. Porque a gente está a toda hora se
matando, destruindo pedaços do que se constrói. Querer para si a vida que se
tem é que é o segredo, o difícil.
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