quinta-feira, 16 de abril de 2015

Helena e a abelha

Algumas vezes, mas só algumas vezes é que se pode experimentar a vida, a alegria, o êxtase de viver. Quase sempre, em quase todos, o que acontece é um diálogo muito tênue com a morte, com a falta. A gente não sabe o que é nosso de direito, não sabe do que pode - não é abelha, é enxame. Aqueles que fogem do seu estado natural de enxame estão contrários ao fluxo também da vida, estão desgarrados. Morrem porque não acreditam que podem ser abelhas sozinhas, não acreditam na sua individualidade como abelha dona do seu destino e , portanto, livre. É a crença ingênua da abelha que determina ser sua morte parte da sua liberdade. É como um contrato, é o preço que pagam por não estar junto das outras. Porque se as abelhas pensassem, porque se as abelhas ousassem , elas também diriam do seu amor quase que cristão pelo bando ao qual pertencem. Não se conhece a vida de uma abelha sozinha, a não ser quando mortas na beira das poças, no seu último bater de asas, ( no seu olhar?) último, suplicando um último voo, suplicando um tantinho mais de alguma coisa que julgamos ser vida. Mas eu acredito que não, elas não pedem por mais vida, acredito que elas suplicam pelo seu fim, por um pisão, bem dado, de sapato. Por um fim rápido e indolor, porque que querem acabar, e não porque queiram continuar um pouco mais. A abelha é inteligente, esperta, objetiva. Quem pede por uma extensão inútil do seu estado de sofrimento são os homens. Nós sim é que somos contraditórios, não aprendemos dos animais a sublime arte de fazer três coisas básicas: nascer, morrer e viver com naturalidade.
            Mas quem somos nós para falar da vida das abelhas sendo humanos? O que podemos falar é do nosso modo humano de entender a abelha, nada mais que isso. Com todas as nossas complicações, nossas ideias pré concebidas de mundo, nossas frustrações, desejos e sonhos, o emaranhado poluído de nossa mente pensante. Mas o que seria então o mais próximo que poderíamos chegar da vida de uma abelha? Acho que elas sabem do seu começo e do seu fim, e estão bastante em paz com isso, sem nenhum receio de que na hora de sua morte não haja ninguém para servir-lhe de testemunha única de pena e piedade. Diferente do homem, a abelha sabe que não veio de lugar nenhum e nem vai para lugar nenhum. Sua vida é, muito grandiosamente, o período compreendido entre seu nascimento e sua morte, apenas isso. Uma abelha é sozinha no mundo. Ninguém chorou de alegria seu nascimento e nem chorará de tristeza a sua morte. É natural e bom que seja assim. E creio que tal sabedoria está embutida em seu modo animal e bom de ser o que se é.

            Nós tememos os insetos porque eles não tem o sangue quente como o nosso. Acredito, entretanto é que nós temamos a frieza do nosso próprio sangue: quente e humano. Que nós tenhamos repulsa daquilo que é ao mesmo tempo motivo de prazer e dor, que é estranho ao nosso  modo normal de ser o que seríamos se pensássemos menos. Bom seria se seguíssemos apenas o fluxo da vida como um animal manso se encaixa tão bem com a natureza, e dela nasce, e dela vive, e nela morre, e volta a ser parte da mesma natureza, na forma de outros átomos, não reciclados - porque se recicla apenas o que já foi lixo,  mas apenas combinados de outra forma uma vez que nunca se desgastam. Há uma sabedoria enorme em ser átomo, em ser planta, em ser bicho, mas não em ser homem. Pra ser homem a gente tem que aprender a ser. Tem que aprender a suportar quantias cada vezes maiores de vida, e estar de bem com isso. O homem se julga de uma inteligência  maior, porque sabe criar. Mas lhe falta a inteligência primeira e mais primordial, que é a gente saber ser. Porque a gente está a toda hora se matando, destruindo pedaços do que se constrói. Querer para si a vida que se tem é que é o segredo, o difícil.

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