(...) mas foi então que
tomou coragem, se aprumou e decidiu que era hora. Rezou antes baixinho, a prece
indizível, que dele se recusava a sair, e saiu então de tal hora, sem fé
nenhuma, quase que de um mal gosto no falar, como uma verdade demasiadamente
amarga que se regurgita porque já estava virando parte do homem. Disse : Alivia
em mim o sopro da vida, abrevia-me. Faze com que eu não sinta nem saiba quem
sou. Faze com que eu me esqueça por hora desse mundo que não é meu nem não será
enquanto eu carregar em mim a malícia de querer possuí-lo. Apazigua em mim a
força da vida. Faze com que eu seja nada mais do que um ser burocrático, um
homem de negócios burocráticos a cumprir funções burocráticas que não me fazem
pensar em nada que não seja a vida dos números e a morte dos papéis frios. Só
por compaixão eu peço com que faças me esquecer do que há para além dos papéis
e das telas de computador. Faz me sedento por informação, faz-me querer saber
sempre mais, para que eu entenda então, e tão somente, qual é o tamanho da minha
ignorância perante o mundo. Contém em mim as forças que possam querer pensar em
Ti, porque a tua existência se oporia ao conceito ideal do que é a minha
existência. Faze com que eu não me embriague de luxúria pelos perfumes dos
homens, faze com que eu esqueça de extravagâncias sensoriais que não me
levariam a completar meu suplício de cruz. Guia-me pelo caminho do não ser,
para que não sendo, eu não te questiones demais, e nem também me questione
demais querendo encontrar um sentido muito oculto nisso tudo. Faz me manso para
aceitar o meu destino sobre a terra, porque qualquer espasmo a mais de vida em
mim acenderia a minha cólera contra Ti. Qualquer vida a mais faria com que eu
quisesse ainda mais vida e assim o teu poder não seria tão precioso nem necessário
para nos darmos um pouco mais de esperança quando já não a temos mais.
Amém