terça-feira, 6 de novembro de 2012

2° dia




(...) " — Ulisses, você se lembra de que uma vez me perguntou por que eu voluntariamente me afastara das pessoas? Agora posso falar. É que não quero ser platônica em relação a mim mesma. Sou profundamente derrotada pelo mundo em que vivo. Separei-me só por uns tempos por causa de minha derrota e por sentir que os outros também eram derrotados. Então fechei-me numa individualização que se eu não tomasse cuidado poderia se transformar em solidão histérica ou contemplativa. O que me salvou sempre foram os meus alunos, as crianças. Sabe, Ulisses, elas são pobres e a escola não exige uniforme por isso. No inverno comprei para todos um suéter vermelho. Agora, para a primavera, vou comprar para os meninos, calça e blusa azul, e para as meninas vestidos azuis. Ou vou mandar fazer, é mais fácil de encontrar. Tenho que tirar a medida de todos os alunos porque —
Quem se levantou para ir embora foi Ulisses, para a surpresa de Lóri. Ele disse:
— Você está pronta, Lóri. Agora eu quero o que você é, e você quer o que eu sou. " 

   ( Clarisse Lispector - Uma aprendizagem ou  O livro dos prazeres ) 

  

                                                                            (...)



              Num mesmo dia dois fatos, distintos em si, mas iguais em natureza me marcaram muito. Foi no dia seguinte ao que você tinha ido embora. Eu ainda estava um pouco triste, pensativo, remoendo aquela dorzinha misturada com saudade gostosa. Que na verdade direito eu nem sei o que era. Os sentimentos tem muito disso. São confusos, embaraçados, enigmáticos, mas possuem  uma propriedade muito sutil de uma hora derramarem-se pelos olhos...
             Eu estava no supermercado. Os pensamentos muito aéreos , quando chegou a minha vez de passar as compras. Então meio que sem querer comecei a ouvir a conversa. Era entra a moça de caixa e uma outra funcionária que por hora estava na função de embalar as compras." - Já que melhora, isso passa, você vai ver. Tem que ficar com cabeça pra cima. Se deixar a depressão pega hein... - É, eu sei, já me falaram isso, mas é difícil, ontem fez 3 meses mas eu lembro todo dia, como se fosse ontem . - Não pensa nisso não, já você fica bem ... " Eu acabei pegando a conversa no ar, mas logo tentei imaginar do que se tratava. Fui fazer uma brincadeira com a moça, pra descontrair o ambiente e puxar alguma conversa enquanto eu passava as compras. - Que foi moça, perdeu o namorado  ? - Não moço, antes fosse, perdi meu filho - e fez um ar de como que fosse ensaiar um choro. Num primeiro momento eu fiquei embaraçado, sem saber o que dizer . Mas continuei conversando para tentar contornar a situação. - Nossa moça, meus sentimentos... Mas do que foi ? Ele tinha quantos anos ? - Era novinho - respondeu ela - tinha 7 meses e morreu de pneumonia... Ela disse que o menino tinha nascido com uma síndrome rara da qual eu não me lembro o nome, e que depois de algum tempo não resistiu às complicações da doença e veio a falecer. Eu fiquei mudo. Depois da resposta da mulher não sabia mais o que dizer. Um pouco constrangido terminei de colocar as compras nas sacolinhas e fui retirar a minha mochila no guarda volumes. Na mochila coloquei as sacolas e retirei meus óculos escuros. Os coloquei e comecei a chorar. Não sei exatamente porque... De alguma forma eu havia me envolvido com o sentimento dela e fiquei imaginando a sua dor. Saí do supermercado mas logo voltei. Pedi ao rapaz no balcão de atendimento um pedacinho de papel e de caneta. Rabisquei algumas informações e voltei a moça. - Moça, olha, com licença , eu não sei se a senhora tem alguma religião ou alguma crença. Mas aqui está os horários e o endereço de um centro espírita que eu frequento. Pode ir, a reunião é rapidinha, dura só meia hora. Acho que pode ajudar você. Sempre que eu vou lá me sinto renovado, consolado. Bom, é só um palpite, espero que você goste. Aqui também está meu nome e meu telefone, se você precisar de alguma coisa ou quiser que eu te acompanhe lá algum dia.... Depois disso eu fui embora, de bicicleta, os óculos escuros, ainda chorando muito. Se havia algum sentimento que eu não conhecia, ele fora cutucado. Ao mesmo momento que as lágrimas se derramavam, meu coração ia ficando cheio. De uma paz, de um sentido, de alguma coisa que faz a vida valer a pena e que eu ainda não sei o nome. Se a moça, que eu nem conheço, se ela eventualmente visitou o centro espírita, eu nunca saberei. Mas sei que no meu coração existe essa possibilidade , de que ela tenha ido e alguma palavra a tenha consolado. Que no coração de mãe que ela abriga, a dor de perder o filho pudesse ser um pouco melhor entendida e talvez amenizada. Ou talvez ela nem fosse, mas só o fato de saber que alguém se preocupou com o sentimento dela talvez fizesse mais feliz, um pouquinho, o dia dessa mulher. Dentro de mim era um mar de sensações novas, de êxtase, pela conquista pessoal que eu sempre coloquei em minhas preces " eu quero aprender o amor ". Assim mesmo, sem nenhuma especificação. Qualquer tipo de amor. Eu quero crescer nisso, eu quero entender isso que dá tanto sentido a vida. Mas o meu dia, minha experiência não acabou aí. Eu fui pra aula de manhã e a tarde fui na academia; Saindo dali eu tinha uma monioria a noite, mas resolvi passar no mercado pra comer alguma coisa, porque eu não tinha almoçado e estava com muita fome. Entrei no mercado próximo de onde eu estava passando e comprei um iogurte e uma maçã, um lanche rápido antes da aula, só pra aguentar assistir sem passar muita fome. Subindo pra  faculdade eu estava bebendo o iogurte e com a maçã na mão. Nisso eu passo em frente em uma casa e ouço um homem, provavelmente morador de rua, pelas vestimentas, falando com a dona de uma casa ao interfone... - A senhora não teria um pratinho de comida, alguma coisa que sobrou ? ... Nem ouvi a resposta da mulher do outro lado da linha e espontaneamente perguntei pra ele ... - O senhor está com fome ?  Toma , pode pegar.... E lhe ofereci a minha maçã. Eu estava com com fome também, mas ele estava com mais. E os olhos dele, agradecidos pelo meu gesto, foram mais que do que suficientes para alimentar a fome,outra, que eu trazia na minha alma. Fome de fazer um ser humano feliz. Fome de fazer a diferença na vida de alguém. Ele agradeceu mais algumas vezes e depois eu parti, também chorando muito porém com um sorriso no rosto. Peguei o celular, e nas minhas notas deixei um recadinho assim ... " fortes indícios de que eu estou muito perto de entender o sentido da vida ... entre parêntesis : amor "...Eu não precisava mais de nada daquele momento em diante, e devo confessar que estou assim até agora. Qualquer solidão, qualquer angústia, qualquer pergunta que possa gerar inseguranças , tudo foi respondido. Eu acho que foi naquele momento que eu passei a entender Deus ... Eu entendi Deus quando parei de olhar pra cima e comecei a olhar pra frente...e vi olhos como os meus precisando dos meus sorrisos, vi braços como os meus precisando dos meus abraços, vi corpos como os meus precisando de calor e de alimento... quando eu olhei pra frente apenas, eu vi gente como eu, sentindo, sofrendo, existindo, e precisando da única coisa que eu podia lhes oferecer : amor ... Hoje em dia, isso é Deus pra mim . Não sei como isso começou a acontecer. Mas sei que começou com você... Este espaço é meu então eu sou livra para falar de como eu sou seu fã... Isso tudo começou  quando eu vi como você se amava, e se amando, como se sentia e era completo. Completo no sentido de oferecer, de se doar. De se doar como amigo, como pessoa, como ser humano. De criar laços, de pensar no próximo, de respeitar, de ser indulgente, de ser cuidadoso com a palavra falada. De existir de uma forma a sempre pensar em todas as pessoas como iguais. Eu posso escrever o tanto que for, você não iria entender até que visse de fora. Que conseguisse enxergar tudo que você é e tudo me inspirou a ser. Eu não sabia dessas coisas. Por não me amar eu nunca tive nada a me oferecer e por isso nada a te oferecer. Mas de uma forma que eu não sei explicar, eu fui aprendendo. A me olhar no espelho e dizer " eu te amo " dizer  " eu te amo e te aceito exatamente como você é ". Eu aprendi a aceitar meus limites, e a amar minhas potencialidades. A aprendi a aceitar e procurar meus defeitos e dar valor nas minhas qualidades. Primeiro eu aprendi a cuidar de mim, para depois conseguir cuidar do outro. Hoje em dia , como a Lóri do livro da Clarisse, eu me sinto pronto. Eu me sinto o príncipe que eu sempre busquei fora de mim. Não sei se você vai me escolher. Não sei se você vai querer ser meu namorado. Não sei se você vai permitir que o passado fique para trás e eu te mostre quem eu sou hoje... E nem faz sentido tentar te mostrar isso com palavras.... É com o tempo, com silêncios de paz no seu coração, com somas de confortos, de proteção, com pequenas palavras, pequenos gestos...pequenas coisas que vão te mostrar dia após dia que eu quero te devolver todo o amor que você me ensinou ... Eu só queria uma chance de começar de novo com você... Só queria uma chance pra te mostrar quem eu sou hoje, e o que eu posso te oferecer hoje... E isso não passa pela intelectualidade complexa e prolixa de mil palavras escritas e faladas... Isso passa pelo sentimento,  que eu quero cultivar em você dia após dia... Hoje eu não te vejo mais simplesmente como cara gostoso com o qual eu passava meu fim de semana ... Eu te vejo como homem, como um ser humano, como namorado que eu sempre sonhei ter.Hoje em dia eu tenho orgulho de falar pras pessoas quem você é e tudo que você significa pra mim. Com você eu aprendi que distância não é  nada, tempo não é nada, onde houver sentimento, vínculo, vontade de ser feliz junto, então aí se tem tudo... Eu sei que deve ser difícil pra você, esquecer o passado, colocar um ponto final e começar de novo. Mas se por acaso você conseguir isso, por favor, me avisa logo, pra eu não perder tempo, e ir correndo te fazer  o namorado mais feliz do mundo... 


Com carinho, Yuri

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