Pensou então que merecia pedir mais vida. Porque era tarde e fazia
um calor enorme. Mas um calor largo e bom , começando na superfície da pele e
se conectando, multidimensionalmente, com tudo que existe. Era já quase noite e
a mulher estava na janela. Os olhos miravam as planícies longínquas. A chuva
começava a nascer no horizonte dentro dos orgasmos dos trovões. Mas por
enquanto só relampejos, jatos de luz. E o calor era ainda mais intenso, forte
como é forte a mão de um homem, um calor insaciável tocando nela toda, quem
sabe, querendo-a também. Uma gota de suor começava a se formar, pura, límpida,
virgem, partindo do nascimento dos seios. E estes, agora mais a vontade,
entumecidos, cresciam de puro gozo natural, cheios de malícia, porque eram
parte dela. Andréia então acendeu um
cigarro. E porque a boca estava seca abriu uma taça de vinho. Bebeu direto do
gargalo. O vidro frio tocava os seus lábios, e o que vinha de dentro da garrafa
escorria para dentro dela, refrescando-a.
O que era isso que sentia, todas as vezes que bebia e fumava, assim, só de
camisola, na beira da janela? Que liberdade é essa que parecia rondá-la como um
animal manso a procura de carinho ? A garrafa de vinho vinha e ia a medida que
o cigarro também ia se apagando e outro era acesso. Mais um, mais outro. Os dedos finos e compridos seguravam o bastão
branco em brasa. Ela tragava e o papel se virava em fumaça dentro dela. Que força
seria essa, da vida, sempre a consumindo, sempre a testando, sempre tirando um pedaço
ou senão tudo dela, pra não devolver mais ?
Em epifania se viu na boca de Deus, em epifania e epifania mesmo porque aquilo tudo não podia ser realidade se viu tragada por um universo-Deus-pulmão em que o cigarro era ela. E ainda por cima, a dor, aguda , no peito. Que espécie de amor era esse que ela não estava se dando? O que é que significava se amar a final ? Pensou que compreendera. Cuidava de si mesma, ia ao cabelereiro, fazia dieta, praticava exercidos, pensou que sim, que se amava. Mas então porque a dor ? Porque a sensação de abandono? De falta de esperança, de uma falta gigante que ela mesma nem sabia do quê. "Eu quero amar a mim, porque eu sou boa, porque tenho um enorme coração porque sou dedicada a e me esforço para fazer tudo para os outros" . Enumerou qualidades, percorreu adjetivos, pediu a opinião de amigos, escreveu, e tentou lembrar. Não conseguia, entretanto. Não sabia o que estava faltando.
Em epifania se viu na boca de Deus, em epifania e epifania mesmo porque aquilo tudo não podia ser realidade se viu tragada por um universo-Deus-pulmão em que o cigarro era ela. E ainda por cima, a dor, aguda , no peito. Que espécie de amor era esse que ela não estava se dando? O que é que significava se amar a final ? Pensou que compreendera. Cuidava de si mesma, ia ao cabelereiro, fazia dieta, praticava exercidos, pensou que sim, que se amava. Mas então porque a dor ? Porque a sensação de abandono? De falta de esperança, de uma falta gigante que ela mesma nem sabia do quê. "Eu quero amar a mim, porque eu sou boa, porque tenho um enorme coração porque sou dedicada a e me esforço para fazer tudo para os outros" . Enumerou qualidades, percorreu adjetivos, pediu a opinião de amigos, escreveu, e tentou lembrar. Não conseguia, entretanto. Não sabia o que estava faltando.
E porque a dor era tamanha e o calor
aumentara, pensou que talvez estivesse faltando amar uma coisa que ela não
queria ver. Ou mais que isso, que não gostava nela. "É preciso uma coragem enorme
para amar quem se é" - ela pensou. E porque pedia então mais vida, sem saber o que a vida
era, tirou a roupa e foi para a frente do espelho. Sentou-se numa cadeira. O
espelho largo, grande, se esparramava verticalmente na frente dela. Tentou
despir-se primeiramente de uma vaidade, mas não era possível. Estava sentada
agora nua, com as pernas ligeiramente abertas, os cabelos negros soltos por
cima dos seios. As pulseiras muitas no pulso esquerdo e um cigarro ainda aceso
na mão direita. Quem Andreia, quem é que vai te amar se não você primeira ? Mas que amor era esse ? Que amor era esse que ela não entendia? Fazia agora um esforço intelectual enorme para entende-lo mas ele não vinha, não
vinha jeito nenhum , a solução, ou o amor recusava-se a aparecer. Era como um problema muito difícil de
matemática. E porque ela se cansava então de pensar, suspirou. Tragou de novo o
cigarro, pensou em desistir, olhou para o chão, e lhe ocorreu que o amor que
ela buscaria não era pensado, seria sentido, e seria sem razão nenhuma. Porque
era somente assim que ela poderia admitir um amor olhou para a parte do seu
corpo que menos gostava. O baixo abdômen, onde alguma gordura se acumulava, não
muita, apenas um pouco, nada que pudesse ser notado com um vestido que não
fosse muito justo, mas o suficiente para feri-la, o suficiente para
incomodá-la. E porque já tinha achado o primeiro defeito continuou
investigando-se ainda mais e percebeu que também não gostava do formato do seu
nariz: era redondo demais na ponta. E as orelhas, podiam ser menores. Não, não seria hoje, ela ainda não estava
pronta para nascer, a jornada seria longa e a criança estava ainda prematura . E porque pensou
nisso riu. E ao olhar no seu sorriso, gostou, e se apaixonou. Tinha sido
pega de surpresa. E porque achou aquilo bonito continuou com a expressão de felicidade
no rosto. Não seria agora, não seria assim, tão espontaneamente. Mas ficou
com aquela ideia na cabeça, pensou que um dia ela estaria pronta para amar
aquela mulher que sorri ao lembrar das suas imperfeições. Pensou que felicidade
seria quando pudesse se amar sendo ela mesma. Pensou em quantas pessoas ela
também poderia amar por serem elas mesmas. E agora já viajava, percorria o
mundo com seu pensamento, abraçava as pessoas pela orla ensolarada das praias,
viajava toda a América do Sul de bicicleta, abraçando, amando e rindo. Ia pra
China, pros Estados unidos pra Escandinávia, percorria o mundo amando os seres
humanos do jeito que eles fossem: imperfeitos. E tudo isto sentada na frente da
sua cadeira, em frente ao espelho. Por um momento odiou que houvessem pessoas
perfeitas, odiou que houvesse uma ideia de beleza a ser seguida como uma religião
qualquer. Sentiu muita raiva porque queria que houvesse apenas a espontaneidade
natural de seres humanos errando, aprendendo, amando e rindo do fato de não
estarem prontos para coisa nenhuma. Mas afinal, quem ela odiava ? E porque não
queria carregar a culpa de estar odiando uma parte da humanidade assumiu que
era ela apenas, que odiava. Ela, mulher humana. Pronto. Tinha passado. Voltara para ao estado
natural. Mas, tinha sido um começo bom, tinha sido uma aproximação. Era bom ,
de vez em quando , namorar essa mulher nua no espelho . Era bom querer a vida
mesmo que ela não soubesse o que a vida era.
YVS 06-10-2016
YVS 06-10-2016
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